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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lideranças antissistema desacreditam pesquisas e afetam resultados

Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - EPA
Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) Imagem: EPA

Colunista do UOL

06/10/2022 12h41

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Ganhou momentum no Brasil, desde a eleição do último domingo (2), o debate envolvendo as discrepâncias entre os números obtidos pelos candidatos nas urnas e aquilo que apontavam os institutos de pesquisa até então. Embora tenha dominado a pauta de militantes e analistas políticos feito novidade, o Brasil apenas entrou para uma longa lista de países que recentemente passaram por experiência parecida, a começar pelos Estados Unidos de Trump e pelo Reino Unido do Brexit.

Desde pelo menos 2016 surgiram, mundo afora, inúmeros debates e estudos buscando compreender o que tem levado os especialistas a tamanha imprecisão. Entre as principais hipóteses, geralmente, estão:

1) defasagem/desatualização dos censos utilizados como referência para determinar o universo da pesquisa e os parâmetros para definir o espaço amostral;

2) enviesamento das amostras e sua capacidade de representar recortes demográficos relevantes, incluindo contrapontos entre espaços urbanos e rurais, bem como variáveis que considerem aspectos identitários, por exemplo;

3) a forma como se dá a coleta de dados, especialmente considerando a resistência de parte do eleitorado em manifestar seu voto diante de um entrevistador e as dificuldades ainda consideráveis em realizar pesquisas por telefone ou pela internet;

4) o peso do chamado "voto silencioso" ou "envergonhado", bem como do "voto útil" ou "decidido de última hora";

5) o nível de abstenção/pré-disposição ao comparecimento massivo de diferentes perfis de eleitor.

Nenhuma resposta é conclusiva e, muito provavelmente, a melhor explicação será multifatorial. Para além disso tudo, no entanto, existe uma chance de que não se trate apenas da necessidade de revisar a metodologia praticada pelas pesquisas.

Segundo um importante relatório de 2021 publicado pela AAPOR (American Association for Public Opinion Research) é possível que o erro das pesquisas possa ter relação com o fortalecimento de lideranças antissistema, que, entre outras coisas, manipulam as pessoas para descreditar as pesquisas, afetando, com isso, o seu resultado. É uma espécie de "profecia que se autorrealiza".

O relatório, que é resultado de um estudo aprofundado conduzido por uma força-tarefa dedicada a examinar o desempenho das pesquisas pré-eleitorais de 2020 (veja aqui), nos Estados Unidos, diz claramente: "Trump forneceu pistas explícitas a seus apoiadores de que as pesquisas eram "falsas" e pretendiam suprimir votos [...] Essas declarações de Trump poderiam ter transformado a participação na pesquisa em um ato político pelo qual seus apoiadores mais fortes optaram por não responder às pesquisas".

Considerando que as imprecisões têm acontecido, em geral, no sentido de subestimar o peso do voto conservador, é possível dizer, portanto, que grupos relevantes podem não estar participando das pesquisas intencionalmente. Além disso, o relatório norte-americano também aventa a possibilidade de que haja desconfiança desse eleitor sobre o uso relacionado aos seus dados e resistência em contribuir, portanto, com a coleta.

Sabemos que a realidade de cada país é bastante diferente e que as particularidades exigem um olhar singular na maior parte das vezes. Ainda assim, em matéria de direita radical, os paralelos internacionais parecem, cada vez mais, fundamentais para a reflexão.

Talvez, nesse momento, o Brasil não precise de mais uma CPI para discutir institutos de pesquisa. Precise, no lugar disso, de mais aulas de estatística e, principalmente, de sociologia.