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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Brasil pós-Bolsonaro enfrentará batalha diária pelo retorno à normalidade

O presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou sem se pronunciar publicamente por dois dias após as eleições - Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou sem se pronunciar publicamente por dois dias após as eleições Imagem: Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

02/11/2022 04h00

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A eleição do último domingo foi acirrada, polarizada e única em muitos aspectos. Foi uma eleição de poucos vencedores e que escancarou o abismo que separa a nossa sociedade de uma reconciliação.

Bolsonaro deixará o poder menor do que entrou sob muitos aspectos. Na verdade, sai grande apenas onde, curiosamente, valorizou de menos: nas urnas. O atual presidente teve votação expressiva e, embora a direita bolsonarista tenha perdido o seu líder no Planalto e o controle de parte da máquina pública, ela elegeu a maioria dos próximos líderes do Brasil. Governadores, deputados e senadores, incluindo vários ex-ministros de Bolsonaro, serão oposição a Lula em uma das composições de Congresso mais conservadores de nossa História.

As lições que vêm do exterior em situações parecidas mostram que o bolsonarismo seguirá tendo relevância no debate público. Caso siga os passos do trumpismo, por exemplo, terá capturado estruturas institucionais importantes, dificultará a ascensão de novos quadros e lideranças entre aliados, continuará alimentando a violência política e manipulando as massas, assim como seguirá dividindo a sociedade e difundindo desinformação com base em ressentimentos, medos e mentiras.

Nesse contexto, Lula, por sua vez, terá que lidar com desafios que não são desprezíveis. Para além da forte oposição no legislativo, de eventuais piquetes organizados por militantes radicais da extrema-direita e da diuturna patrulha de milícias digitais, o presidente eleito terá de lidar com um contexto muito diferente do que encontrou 20 anos atrás, quando assumiu o seu primeiro mandato.

1) Somos uma sociedade mais conservadora e mais desesperançosa com a política do que duas décadas atrás. Lula sabe que tornou-se presidente, dessa vez, em parte pela enorme rejeição de Bolsonaro. Precisará reconhecer, ao mesmo tempo, que o antipetismo é sonoro demais pra ignorar.

2) As perspectivas econômicas não são das melhores. Não temos o boom das commodities do início dos anos 2000, nem desfrutamos da mesma estabilidade macroeconômica daquela época. A situação fiscal do país é muito delicada. Atrair investimentos será um desafio, assim como controlar os gastos do governo. Vale lembrar que, buscando a reeleição, o governo Bolsonaro promoveu um irresponsável "pacote de bondades" de última hora, gastando mais do que podia, o que fará com que a conta tenha de ser paga pelo próximo governo, que já assumirá endividado. Lula precisará encontrar meios de conciliar, portanto, justiça social, com responsabilidade fiscal.

3) Também a instabilidade no cenário internacional não é favorável ao novo governo, que terá de seguir lidando com os reflexos residuais da pandemia, a inflação nos países desenvolvidos e a guerra na Ucrânia. Tudo isso afetará a taxa de crescimento do Brasil e sua capacidade de articulação.

4) Lula precisará negociar e fazer concessões para governar. Ele precisará do apoio da "frente ampla" que formou durante a campanha. Lula terá que encontrar meios de ceder e agradar grupos muito diversos. Precisará moderar rumo ao centro para conseguir sobreviver politicamente e precisará abrir espaço para o diálogo com atores do agronegócio, de grupos evangélicos e com os militares, mas, ao fazê-lo, também sofrerá "fogo-amigo" e cobranças das alas mais à esquerda de seu próprio partido e de aliados tradicionais.

5) Do ponto de vista da opinião pública, Lula será alvo de "double standards". Ao dizer absurdos e tomar decisões pouco presidenciáveis, Bolsonaro passou anos sendo tratado como "genuíno" e "autêntico". Lula não terá a mesma condescendência. Ao contrário, terá cada pequeno ato escrutinado e terá sobre si um conjunto de expectativas irreais. O resultado, poderá ser rápida frustração e baixa popularidade.

Lula tem sido muito pragmático desde que recebeu a notícia da vitória. Tem dito, consistentemente, que a prioridade é pacificar o país e criar espaço de diálogo e convivência entre os divergentes. As barreiras serão enormes e, convenhamos, todos conhecemos os "nós" a serem desatados, mas não é preciso ser entusiasta do ex-presidente para reconhecer a importância de "retornar à normalidade" nesse momento de nossa democracia, para usar uma expressão da campanha presidencial de Warren G. Harding, 100 anos atrás, nos Estados Unidos.