Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A Copa do Mundo não é só sobre entretenimento, mas também sobre política
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Ao contrário do que sugere a máxima popular de que certos temas simplesmente "não se discutem", o mundo do século XXI escancara diante dos nossos olhos, dia após dia, o que a História já insiste em nos mostrar desde sempre: simplesmente não é possível ignorar que todas as dimensões de nossa existência envolvem escolhas políticas, seja por ação ou por omissão. Isso vale também - e porque não - para o futebol.
Grandes eventos esportivos costumam aflorar esse tipo de discussão, já que funcionam não apenas como palco para acontecimentos marcantes, como também porque criam momentum capaz de impulsionar debates necessários. Na Copa do Mundo de 2022, testemunhamos mais um desses capítulos sendo escrito.
Além da capacidade de um evento desse porte em letrar as pessoas sobre os países e suas particularidades, a Copa serve de janela para expor dramas da política internacional e para dar visibilidade a questões muitas vezes pouco acessíveis ao grande público.
Para além das estratégias desportivas das equipes, de suas escalações e do desempenho nas partidas em si, os estímulos vêm de muitos lados, a começar, nesse caso, pelas polêmicas envolvendo o país anfitrião do campeonato. Não é possível assistir à Copa no Catar sem ter contato com as inúmeras questões envolvendo violações de direitos humanos no país, especialmente de mulheres e da comunidade LGBTQIA+, denúncias de corrupção e de prática de trabalho análogo à escravidão. Graças à Copa, o mundo inteiro agora tem a atenção voltada a isso.
A sensibilização da audiência também tem acontecido em manifestações sobre censura e supressão de liberdades individuais, além de denúncias sobre racismo. Nos últimos dias, a mídia global reportou massivamente a imagem dos jogadores da seleção da Alemanha tapando as próprias bocas no momento da realização de sua foto oficial, momentos antes de entrar em campo. Eles fizeram isso em protesto contra a proibição o uso da braçadeira de capitão da campanha "One Love".
Na mesma medida, grandes holofotes são direcionados para conflitos domésticos e internacionais quando eles são levados para dentro dos campos de futebol de alguma forma. O olhar sobre o que acontece na Arábia Saudita e no Irã, por exemplo, tornou-se emblemático nessas primeiras semanas do mundial.
No que diz respeito ao Brasil, a estreia na Copa envolveu um novo momento na disputa política por símbolos nacionais, como nossas cores e nossa bandeira. Também englobou um confronto entre quem consideramos nossos porta-vozes legítimos (Neymar ou Richarlison), sobre nossa reputação externa e sobre a necessidade de viabilizarmos um processo de pacificação nacional depois de tanta exposição à violência e da normalização do caos.
Os estudos envolvendo "esporte e relações internacionais" são numerosos e cada vez mais aprofundados. Permitem reflexões importantes incluindo temas como nacionalismo e identidade cultural, interesses estatais estratégicos e o papel de forças transnacionais para moldar a agenda global, o esporte como ferramenta para diplomacia pública e de national branding, além de questões envolvendo o universo do capital e do consumo e das organizações regionais e internacionais que a ele se relacionam.
Assistir passivamente aos jogos da Copa como puro entretenimento, sem se permitir ser instigado por tantos símbolos, gestos e problematizações é um grande desperdício de nossa inteligência. É se alimentar de um ópio que nos condena à ignorância contínua. Dá para sermos torcedores e entusiastas de um esporte sem perdermos a capacidade crítica e o olhar atento para as mazelas e as hipocrisias do mundo e do nosso próprio país. Aliás, não apenas é possível, como também é necessário. A Copa do Mundo também é sobre isso.
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