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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A próxima guerra de Zelensky será contra a polarização política nos EUA

O presidente dos EUA, Joe Biden, recebeu o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky - 21.dez.2022 - Alex Wong/Getty Images via AFP
O presidente dos EUA, Joe Biden, recebeu o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky Imagem: 21.dez.2022 - Alex Wong/Getty Images via AFP

Colunista do UOL

22/12/2022 14h19

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Em sua primeira viagem internacional desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia, o presidente Volodymyr Zelensky desembarcou ontem em Washington DC. Foi recebido com pompa e circunstância por Joe Biden na Casa Branca e ovacionado pelos membros do Congresso, após proferir um emocionante discurso. Além disso, capturou a atenção da mídia internacional e protagonizou uma infindável quantidade de fotos em que aparece ao lado de várias figuras do primeiro escalão do governo norte-americano.

A viagem de Zelensky é importante por razões simbólicas e práticas. Do ponto de vista simbólico, alude à defesa de um conjunto de valores que os dois países tem em comum, reforça o compromisso de cooperação bilateral no contexto da guerra, e sela a difusão da mensagem de que as forças ucranianas, em parceria com a aliança ocidental, seguem resilientes diante da agressão russa. Do ponto de vista prático, a visita de Zelensky demarca uma nova fase do conflito, que vem com o anúncio de mais ajuda militar dos Estados Unidos à Ucrânia: um novo pacote de US$ 1.85 bilhão, incluindo os famosos mísseis "patriot".

Desde o início do conflito no leste europeu, o apoio à Ucrânia tem sido um dos raros temas de consenso bipartidário nos Estados Unidos. A opinião pública norte-americana assimilou o senso de urgência e a gravidade da situação e as lideranças políticas, em conjunto, aprovaram diversos pacotes milionários de ajuda ao país. Apesar disso, pesquisas recentes mostram que à medida que a guerra continua, as preocupações dos norte-americanos sobre ela diminuem.

Dados do Pew Research Center, por exemplo, indicam que, em setembro de 2022, apenas um quarto dos adultos dizia estar acompanhando as notícias sobre a guerra de forma "extremamente ou muito próxima". Poucos meses antes, em maio, eram 36%. Segundo o estudo: "apenas cerca de dois em cada dez americanos (18%) agora dizem que os Estados Unidos não estão fornecendo apoio suficiente à Ucrânia no conflito. Isso representa uma mudança radical em relação ao início da guerra: em março, logo após o início do conflito, 42% disseram que os EUA não estavam fornecendo apoio suficiente". A preocupação sobre o conflito e o que pensam ser apropriado fazer ou não a respeito dele também encontram diferenças importantes quando a análise leva em conta as preferências partidárias dos entrevistados.

Os números de dezembro de 2022 publicados pelo The Chicago Council on Global Affairs corroboram essa ideia de que é crescente divisão sobre o apoio à Ucrânia. Segundo a pesquisa conduzida por eles, quase metade dos norte-americanos (47%) dizem, nesse momento, que os Estados Unidos deveriam pressionar a Ucrânia por um acordo de paz o mais rápido possível. De acordo com o material, sobretudo o apoio republicano à ajuda à Ucrânia diminuiu notavelmente ao longo do ano e, em geral, dos dois lados, menos dizem que os Estados Unidos devem apoiar a Ucrânia "o tempo que for necessário".

Os Estados Unidos acabaram de eleger maioria republicana para a Câmara dos Representantes. Joe Biden tem uma das piores taxas de aprovação da história e, ainda que informalmente, a campanha para a corrida presidencial de 2024 já está à todo vapor. O país vive um dos grandes períodos de polarização política de sua história, ao mesmo tempo em que a sociedade lida com crises causadas pela inflação, que afeta, principalmente, o preços dos combustíveis e dos alimentos.

O fato é que, apesar das manifestações afetuosas dirigidas a Zelensky e dos aplausos calorosos diante de sua fala, começam a pipocar, nos corredores de Washington, uma série de incômodos sobre o papel dos Estados Unidos nesse conflito. Como explicar ao eleitor norte-americano, no final do dia, que ele deve financiar a defesa da democracia no além-mar quando impera, dentro de casa, a percepção de que sua própria qualidade de vida só faz deteriorar?

Não se enganem com os compromissos que pareçam não ter fim. Ainda é preciso acompanhar de perto as cenas dos próximos capítulos.