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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Terrorismo doméstico: lições da invasão ao Capitólio nos EUA para o Brasil

Terroristas apoiadores de Jair Bolsonaro provocaram caos em Brasília - EVARISTO SA / AFP
Terroristas apoiadores de Jair Bolsonaro provocaram caos em Brasília Imagem: EVARISTO SA / AFP

Colunista do UOL

09/01/2023 04h00

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Disse um conhecido intelectual do século XIX que a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. Dois anos depois da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, estamos testemunhando, em nossa capital, uma versão brasileira dos efeitos do terrorismo de extrema direita. Importamos o pior que vem do Norte. Estampamos, nesse domingo, os jornais de todo o mundo com o ataque violento às nossas instituições democráticas e ao patrimônio público nacional.

Desde 2021, a experiência norte-americana suscitou muita reflexão. É verdade que as autoridades daquele país ainda enfrentam dificuldades em enfrentar todos os envolvidos naquele triste episódio e que o processo de pacificação é um sonho distante. Ainda assim, há encaminhamentos que o Brasil de 2023 deve levar em conta.

Nos Estados Unidos, centenas de pessoas foram processadas de crimes relacionados à invasão ao Capitólio. Dezenas delas já foram condenadas, incluindo figuras emblemáticas como Jacob Chansley, Doug Jensen e Stewart Rhodes, este último podendo podendo enfrentar uma sentença de 60 anos de prisão. Além das punições individuais, foram abertas investigações sobre milícias de extrema-direita, como é o caso do "Oath Keepers" e dos "Proud Boys", além de grupos que se baseiam em teorias conspiratórias estilo "QAnon".

Por lá também foi instaurada uma comissão parlamentar bipartidária que investigou, no âmbito do Congresso Nacional, o ataque de 6 de janeiro. O grupo ouviu mais de mil testemunhas e encaminhou conclusões e recomendações para o Departamento de Justiça do país.

O documento final, publicado em 2022, não se furtou em responsabilizar figuras do primeiro escalão do governo, incluindo o ex-presidente Donald Trump. Trump foi acusado, entre outras coisas, de obstrução, conspiração e insurreição. Foi visto como figura central para incentivar a violência que assistimos. O Departamento de Justiça já investiga o papel de Trump nos atos e não é obrigado a acatar as denúncias da comissão parlamentar, mas, se for condenado pelo crimes ali apontados, ele poderia enfrentar mais de 10 anos de prisão, além de se tornar inelegível.

Dessa experiência, ao menos 5 lições se tornam possíveis elencar, portanto:

1. É preciso prestar atenção aos chamados "lower levels" ("baixos escalões", em português) das forças policiais e militares. Ainda que não haja lideranças institucionais necessariamente vocais na defesa de atos antidemocráticos, há inúmeros servidores das bases que, movidos pela política do ressentimento, deixam de cumprir com suas funções e, como consequência, facilitam a ação de golpistas.

2. É necessário dar respostas contundentes e exemplares aos terroristas domésticos: classifica-los pelo nome apropriado, investir na celeridade das investigações, acusações, prisões, julgamento e punições.

3. É fundamental constituir equipes especializadas que reconstruam os bastidores dessas ações para mapear articuladores, financiadores e estruturas organizadas que permitiram que isso acontecesse. Agentes públicos e privados devem ser severamente penalizados, com todo o rigor da lei.

4. É preciso combater a radicalização, sobretudo orquestradas pelas redes sociais, e encontrar meios para restringir a desinformação. A sociedade civil, para além de autoridades políticas e empresas de tecnologia, precisam assimilar os riscos que a manipulação em massa causa e trabalhar concretamente para combatê-la.

5. Buscar a consolidação de meios de cooperação internacional para investigar e desestruturar, de forma multilateral, as redes que criam e espalham a violência política pelo mundo, sobretudo no que tange à grupos radicais, cujas lideranças é possível identificar e necessário repreender.

Já aprendemos isso com o caso norte-americano: omissão, leniência e impunidade são um veneno com o qual não podemos brindar. Apesar do desgaste da imagem de nosso país no exterior nesse momento, da destruição de nosso patrimônio e da crise generalizada, não é exagero dizer que o Brasil e o governo eleito podem sair mais fortes do 8 de janeiro.

A democracia, de novo, vencerá. A maioria dos brasileiros não aceitará pagar essa conta. A comunidade internacional apoiará o governo eleito do Brasil. Golpistas tiveram sua face escancarada de forma inequívoca. O rei está nu. As instituições brasileiras têm a chance de reagir e de reforçar a sua legitimidade. Bolsonaro e os terroristas que agem em seu nome são, de novo, apenas maus perdedores.