Fernanda Magnotta

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Opinião

2024: o ano em que a ordem global escancarou suas fraturas

O cenário internacional que se descortina ao final de 2024 é significativamente mais sombrio do que aquele que vislumbrávamos no início do ano. O que testemunhamos em 2024 não foi apenas mais um ano de crises pontuais, mas sim a consolidação de transformações profundas que vêm redesenhando a arquitetura global do poder.

A erosão da confiança nas instituições democráticas atingiu níveis alarmantes, evidenciada de maneira particular nas disputas eleitorais que marcaram o ano. Os processos eleitorais nos Estados Unidos, na França e na Alemanha revelaram democracias sob pressão, com o fortalecimento de movimentos populistas e extremistas. O Rassemblement National na França e a AfD na Alemanha conquistaram espaços significativos, enquanto a polarização americana permanece como uma ferida aberta no tecido social do país. Na Venezuela, o processo eleitoral, marcado por contestações internacionais e restrições à oposição, exemplifica como a deterioração democrática pode se manifestar de maneira ainda mais aguda em contextos de fragilidade institucional.

O cenário internacional foi particularmente tenso no campo militar. A guerra na Ucrânia entrou em uma fase de complexidade ainda maior, com implicações que transcendem as fronteiras do conflito. Simultaneamente, o Oriente Médio tornou-se palco de uma escalada de violência sem precedentes no conflito Israel-Palestina, gerando uma crise humanitária que desafia a capacidade de resposta da comunidade internacional.

Em meio a essas turbulências, a China continua sua ascensão metódica como potência global. Através do (AIIB) Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e da iniciativa BRI (Belt and Road), Pequim expande sua influência na África e América Latina, tecendo uma rede de relacionamentos econômicos e diplomáticos que redesenha o mapa da influência global.

A revolução tecnológica, particularmente no campo da inteligência artificial, adiciona uma nova camada de complexidade a este cenário. A implementação do AI Act pela União Europeia representa uma tentativa pioneira de estabelecer marcos regulatórios para estas tecnologias emergentes, enquanto o Digital Services Act europeu busca endereçar os desafios crescentes da desinformação e da governança digital.

A crise climática, longe de ser apenas um pano de fundo, emerge como um dos principais desafios à estabilidade global. O Global Carbon Budget 2023 registrou um novo recorde histórico nas emissões de CO2, atingindo 36,8 ± 1,8 gigatoneladas. Este dado alarmante contrasta com a insuficiência das respostas internacionais, evidenciada pelos desafios do Green Climate Fund em cumprir as metas de financiamento estabelecidas no Acordo de Paris.

Ao olhar para 2025, torna-se evidente que estamos vivendo não apenas uma época de mudanças, mas uma mudança de época. A ordem liberal internacional, estabelecida no pós-Guerra Fria, demonstra sinais crescentes de fadiga, enquanto novas configurações de poder emergem em um contexto de múltiplas crises sobrepostas. O desafio que se apresenta não é apenas de governança ou de política internacional, mas de reimaginação das próprias bases sobre as quais construímos nossa compreensão das relações internacionais.

A conclusão inevitável é que 2024 não foi apenas mais um ano difícil — foi um ano que explicitou a necessidade urgente de repensar os fundamentos de nossa ordem global. As instituições internacionais, em sua forma atual, mostram-se cada vez mais inadequadas para lidar com os desafios contemporâneos. O mundo que emerge demanda não apenas ajustes incrementais, mas uma profunda reconceituação dos mecanismos de cooperação internacional e governança global. A questão que fica é se seremos capazes de realizar essa transformação antes que as múltiplas crises que enfrentamos atinjam um ponto de não retorno.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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