Amazônia: Comando Vermelho avança na região entre Brasil, Colômbia e Peru
Na região da Amazônia conhecida como "Três Fronteiras", que engloba Brasil, Colômbia e Peru, a facção criminosa CV (Comando Vermelho) expande sua atuação em busca do domínio das rotas de tráfico de cocaína.
Nascida no Rio de Janeiro nos anos 1970, a facção cria uma rede de alianças que envolve um grupo de guerrilheiros colombianos, o Frente Carolina Ramírez, e traficantes de drogas peruanos.
O aumento da produção de cocaína no Peru e a disseminação de outros esquemas criminosos, como a dragagem de ouro e a extração ilegal de madeira, ameaçam os modos de vida indígenas e de grupos ribeirinhos, aumentam o índice de homicídios e prejudicam o meio ambiente.
É o que mostra a investigação divulgada hoje pela ONG International Crisis Group. Com sede principal em Bruxelas, a organização trabalha na região amazônica desde 2001.
"As organizações criminosas se aninham e se multiplicam nas fronteiras do Brasil, da Colômbia e do Peru, onde as atividades ilícitas põem em perigo o bem-estar da floresta amazônica e das comunidades que ela abriga", afirma Bram Ebus, jornalista e pesquisador, responsável pelo estudo.
Agentes dos três países enfrentam uma realidade de recursos escassos para combater a expansão da criminalidade organizada.
Aliança do crime
Os principais centros urbanos da região das Três Fronteiras são as cidades gêmeas de Tabatinga e Letícia, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia, as quais praticamente se fundiram em uma única aglomeração urbana de cerca de 113 mil habitantes.
Há quase cinco anos o CV lançou o Comando Vermelho Amazonas, desfazendo assim uma antiga aliança com a facção amazonense Família do Norte.
Um conselho criminoso formado por trezes membros de Manaus coordena as ações e responde à liderança original no Rio de Janeiro.
Autoridades policiais ouvidas por Bram Ebus afirmam que o CV tem superado inimigos pelo domínio criminoso na região, a exemplo do PCC (Primeiro Comando da Capital) e d'Os Crias, uma facção formada em sua maioria por jovens criminosos.
O objetivo atual do Comando Vermelho é obter a supremacia criminosa na região das Três Fronteiras, na esperança de se expandir para a Colômbia e o Peru, afirmou um membro da facção ao Crisis Group.
A facção visa controlar a cadeia de abastecimento de cocaína desde os campos de coca no Peru até as rotas de tráfico na Colômbia e as regiões amazônicas do Brasil.
Estima-se que 70% da cocaína e da pasta-base de cocaína produzidas no Peru sejam traficadas para o Brasil, enquanto cerca de 30% são levadas para o Equador, principalmente pelo rio Napo.
Em uma região marcada por pobreza extrema e falta de oportunidades de trabalho, os traficantes cooptam os jovens.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receber"Os criminosos dão aos recrutas — geralmente homens e meninos de apenas quinze anos — pagamentos que incluem quantias de US$ 2.000 a US$ 2.400 [R$ 10.900 a R$ 13.000 na cotação atual] para tarefas como o transporte de cocaína para Manaus, atraindo-os para vidas de crime e muitas vezes encorajando-os a recrutar outros."
Na Colômbia, o Comando Vermelho encontrou parceiros interessados na sua busca por expansão: a Frente Carolina Ramírez, uma facção dissidente das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Indígenas ameaçados
A investigação do Crisis Group mostra que os criminosos reinvestem o lucro do tráfico de drogas em outras atividades criminosas que prejudicam o meio ambiente, a exemplo de extração ilegal de madeira e de ouro, e pesca ilegal.
"As comunidades indígenas têm procurado defender os seus territórios das incursões de grupos criminosos, mas muitas afirmam não ter recebido apoio do Estado ou das forças de segurança. Os chamados povos isolados correm um risco particular com o aumento da criminalidade", lê-se no estudo.
"As ameaças da criminalidade transfronteiriça exigem respostas coordenadas dos governos envolvidos. As estratégias de segurança da Amazônia devem começar pela salvaguarda das comunidades em maior risco, algumas das quais enfrentam ameaças existenciais", diz Bram Ebus.
O estudo indica que as autoridades dos três países precisam elaborar uma resposta conjunta para combater a expansão dos grupos criminosos.
"Os governos devem adotar uma abordagem multifacetada para combater a corrupção arraigada e o envolvimento do Estado em atividades ilegais."
"Em menor número de armas e de número, as agências da lei enfrentam uma batalha difícil, a menos que estabeleçam laços fortes com as comunidades e reconstruam a confiança corroída por escândalos de corrupção. A população local, mais bem posicionada para detectar ameaças de grupos violentos, precisa de uma resposta estatal que realmente atenda às suas necessidades", diz Bram Ebus.
Questionado pela coluna, o MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) enviou a nota abaixo:
O combate ao tráfico de drogas é prioridade do MJSP, sobretudo na Região Amazônica, que é estratégica para as organizações criminosas em função da sua localização geográfica. A Pasta vem fortalecendo ações de enfrentamento ao tráfico de drogas ilícitas, com o uso de ações de inteligência e fiscalização ostensivas.
Um dos programas estruturantes da Pasta é o Programa Amazônia, Segurança e Soberania (AMAS), lançado em 2023, e que conta com investimento total de R$ 1,2 bilhão. Deste montante, R$ 318,5 milhões, oriundos do Fundo Amazônia, já foram destinados por meio de contrato assinado no dia 17 de junho entre o MJSP e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Também no escopo do AMAS, está prevista a implementação de 28 bases terrestres e seis bases fluviais na região, totalizando 34 novas bases integradas de segurança, envolvendo Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e forças estaduais.
Outro programa estruturante é o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc), desdobramento do Plano de Ação na Segurança (PAS). Com investimento de R$ 900 milhões, o Enfoc tem o objetivo de viabilizar visão sistêmica das organizações criminosas, valorizar os recursos humanos das instituições de segurança pública, fortalecer a investigação criminal e a atividade de inteligência, a fim de desarticular e descapitalizar os grupos. A implementação das ações será gradual até 2026.
Vale ressaltar que todos os programas instituídos e operações coordenadas pelo Ministério visam o combate de quaisquer tipos de entorpecentes. Além dos programas, a Pasta também coordena, por meio da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, a Operação Protetor das Divisas, Fronteiras e Biomas, que atua de forma permanente em 13 estados brasileiros: Amazonas, Acre, Roraima, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Tocantins e Rio Grande do Norte, visando atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública federais e dos entes federativos no combate à criminalidade organizada. Até o dia 1º de julho, foram apreendidos, no âmbito da Operação, 649.853 quilos de drogas.
O MJSP destaca, ainda, que todas as ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública são custeadas pelo Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), e que, para 2024, o orçamento da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (Diopi) é de mais de R$ 200 milhões para operações e aparelhamento da segurança pública, integralmente custeados com o FNSP.
Além dos recursos, o MJSP oferta cursos de capacitação de agentes de segurança pública em todo o país, coordena e apoia operações no combate ao tráfico de drogas diariamente e conta com a parceria e atuação da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis e Militares de todas as unidades da Federação.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.