STF intima Itamaraty a fornecer documentos sobre gênero, mulher e LGBT
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O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, intimou o Ministério das Relações Exteriores a fornecer todos os documentos, telegramas e instruções internas a seus diplomatas no que se refere ao posicionamento do Brasil sobre gênero, mulheres e LGBTI.
Numa decisão de 29 de outubro, o ministro estimou que o chanceler Ernesto Araújo "não sanou" as dúvidas em relação à orientação adotada em sua política externa, mesmo depois de uma explicação inicial por parte do chefe da diplomacia do governo de Jair Bolsonaro.
O STF avalia um pedido de liminar que apela para que se determine a suspensão das ordens do chanceler Ernesto Araújo a seus diplomatas e uma revisão do posicionamento brasileiro em temas de mulheres, gênero e LGBTI.
No dia 8 de outubro, a coluna havia revelado que o Supremo havia dado dez dias para que o Itamaraty explicasse seu posicionamento sobre "gênero" e a decisão de instruir diplomatas brasileiros a vetar o termo nas negociações internacionais e em resoluções da ONU. O posicionamento brasileiro chocou a comunidade internacional e aproximou o Brasil de votos de países ultraconservadores, como Arábia Saudita.
Uma das orientações do governo aos diplomatas foi que sua política externa estaria voltada a derrubar termos como "gênero", além de explicar publicamente que o Brasil considerava a palavra apenas por um contexto de "sexo biológico: feminino ou masculino".
A decisão do STF foi tomada depois que a Associação Brasileira de LGBTI entrou com um pedido de medida liminar contra os atos da chancelaria, solicitando que as orientações da diplomacia fossem "imediatamente" suspensas.
No pedido de medida liminar, os advogados da associação alertavam que tal ato do governo "viola a dignidade humana" de lésbicas e gays à medida em que desafiam o entendimento firmado pelo STF acerca da matéria". O caso está sendo representado pelos advogados Rodrigo Muniz Diniz, Anderson Bezerra Lopes, Débora Nachmanowicz, André Hespanhol e Gustavo Miranda Coutinho.
A entidade lembrava que a Corte "reconheceu o gênero como uma manifestação individual e pessoal, não sendo algo que possa ser constituído pelo Estado, a quem cabe, apenas, seu reconhecimento". Para a associação, portanto, o Itamaraty está "desobedecendo" à interpretação ao vetar o uso do termo gênero.
Num despacho de 7 de outubro, o STF considerou que a reclamação da entidade era constitucional e deu um prazo de dez dias para que a chancelaria prestasse informações.
Na semana passada, numa carta ao Supremo Tribunal Federal, o chanceler explicou o posicionamento polêmico adotado pelo Brasil na ONU e confirmou que o governo "tem a preferência" por uma nova formulação ao debater a igualdade entre mulheres e homens. Mas não entregou qualquer tipo de documentação.
Para Gilmar Mendes, "não é possível depreender com clareza se foram ou não expedidos atos oficiais" e que poderiam configurar violação de direito. Agora, o ministro quer que o chanceler se "manifeste especificamente sobre a existência de tais atos e, se for o caso, junte aos autos o seu respectivo conteúdo".
Mendes admite que, se os documentos tiveram um caráter sigiloso, eles podem ser entregues de forma separada, para que tal confidencialidade não seja violada. Mas, ainda assim, precisam ser apresentados.
"Inicialmente, ao conceder prazo para que o Ministro das Relações Exteriores se manifestasse, o STF possibilitou que fossem enviadas cópias dos documentos, porém isso não foi feito pelo chanceler", comentou o advogado Anderson Lopes. "Caso as diretivas estivessem em conformidade com a Constituição, não haveria problema algum em fornecê-las. Agora, com uma determinação expressa para que se manifeste sobre sua existência e promova juntada de seu conteúdo, os atos do Chanceler serão avaliados pelo Tribunal à luz do texto constitucional, como deve ocorrer com quaisquer agentes públicos", explicou.
Monopólio
Na carta da semana passada, Ernesto Araújo também mandou um recado direto para Gilmar Mendes: o Poder Judiciário não pode entrar no mérito de política externa. A mensagem tinha como objetivo impedir que o STF atenda à liminar e opte por suspender as instruções do Itamaraty neste assunto. Para o chanceler, tal atitude seria inviável e o risco de uma substituição de poderes.
"Como se sabe, a Constituição Federal concede privativamente ao presidente da República a competência para manejar as relações exteriores", disse, fazendo uma referência ao fato de que Ministério das Relações Exteriores ser o representante do Executivo nesse quesito. "Não compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito de politica externa", escreveu, indicando que a Corte não teria sequer "condições" para tratar dos assuntos.
Para completar, o chanceler insiste que sua decisão não violou as decisões do STF sobre a questão de gênero e que a petição nem sequer demonstrou eu houve um impacto das medidas e os direitos fundamentais.
Popular
O chanceler ainda justifica sua política. "Como país democrático, em que vigora o pleno exercício do Estado de Direito, o Brasil busca implementar sua politica externa de forma consistente com o mandato popular outorgado pelo povo nas eleições", disse o chanceler, numa referência ao eleitorado conservador que apoiou o presidente.
"Desde a assunção de Jair Bolsonaro da Presidência, o governo brasileiro tem atualizado seu posicionamento em política externa nos vários foros em que o Brasil atua, inclusive sobre a questão de gênero, a fim de melhor refletir o mandato popular", explicou. Segundo ele, alguns desses termos tem "assumido conotação contrária aos interesses brasileiros".
O governo respondeu alegando que a petição era "inepta" e formulada com base em notícias de jornais. Segundo o chanceler, o Brasil continua comprometido em eliminar a discriminação contra mulheres. Mas indica que o governo "permanece preocupado com o uso indevido de termos e expressões que não têm definição internacional clara e que podem ser interpretados de forma distinta do que estabelece a legislação brasileira sobre a matéria".
Sobre a questão de gênero, Araújo confirma que "o governo brasileiro tem manifestado o entendimento de que o termo gênero é sinônimo de sexo biológico, feminino ou masculino". "O Brasil não se opõe ao uso do termo gênero, uma vez que o país é signatário de diversos instrumentos internacionais que fazem uso da expressão", disse.
Mas, segundo ele, a "atualização da posição do país busca alinhar a política externa com as propriedades da plataforma eleitoral do governo do presidente Jair Bolsonaro".
O chefe da diplomacia brasileira, portanto, indica que "no lugar do uso do termo 'igualdade de gênero', o Brasil favorece 'igualdade entre homens e mulheres', conforme estabelece a Constituição de 1988".
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