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Com islâmicos, Brasil tenta esvaziar resolução sobre direito das mulheres

Damares Alves no Conselho de Direitos Humanos da ONU - Fabrice Coffrini / AFP
Damares Alves no Conselho de Direitos Humanos da ONU Imagem: Fabrice Coffrini / AFP

Colunista do UOL

03/07/2020 10h52Atualizada em 03/07/2020 21h00

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O governo de Jair Bolsonaro aprofunda uma postura ideológica em negociações diplomáticas sobre uma resolução que condena a discriminação de gênero e tenta fortalecer o direito das mulheres. O texto sob consideração no Conselho de Direitos Humanos da ONU ganhou importância principalmente no momento em que a pandemia revela a disparidade no mundo e como a crise vem afetando de forma desproporcional as mulheres.

A postura do Brasil coincide com as propostas realizadas por alguns dos governos mais repressivos contra mulheres, como os sauditas. Governos de países islâmicos e a ultraconservadora Rússia também adotaram posturas parecidas às do Itamaraty. Já os europeus, Israel e latino-americanos apoiam o texto.

O projeto foi submetido pelo México e toca em assuntos como a necessidade de "eliminar todas s formas de discriminação contra mulheres e meninas". A meta é a de reforçar a luta pela igualdade de gênero como um dos objetivos das metas de 2030.

Neste ano, um dos objetivos é ainda o de tratar da sobreposição - ou intersecção - de discriminações sofridos por mulheres.

Mas, num rascunho dos comentários feitos pelo Brasil aos autores do projeto, o Itamaraty pede que o parágrafo inteiro que tenta definir o conceito de "intersecção" seja excluído. A proposta do Brasil é apoiada por países islâmicos como Paquistão, Iraque ou Indonésia.

Num outro trecho, o Brasil ainda pede a eliminação de referências aos direitos reprodutivos e saúde sexual para mulheres.

Junto com os sauditas, o Itamaraty sugere ainda suprimir um parágrafo no projeto sobre acesso ao "planejamento familiar e métodos modernos de contracepção".

O Brasil também pediu que outro trecho sobre a garantia de "serviços e informação sexual" às mulheres fosse eliminado, assim como referências explícitas à "educação sexual". O Itamaraty ainda alertou que o o governo adota como postura a "defesa da vida, desde sua concepção", numa alusão de que o texto poderia brechas a legitimar o aborto, o que os autores negam.

Se o Itamaraty pede a exclusão de todos esses termos, a delegação enviou uma solicitação para que o texto inclua uma referência explícita ao papel positivo das organizações de base religiosa. O esforço é o de que tal referência sirva para compor um trecho em que o termo "feminista" é citado.

Ao ver que a referência às entidades religiosas, o governo brasileiro se queixou. Mas os autores rejeitaram a inclusão.

Numa reunião nesta sexta-feira, o Itamaraty deixou claro que não está de acordo com a linguagem usada. Para o governo brasileiro, por exemplo, o termo "igualdade de gênero" precisa ser entendido como "igualdade entre homens e mulheres". A meta é a de reforçar a ideia de que gênero é uma construção social e que existe apenas a realidade biológica.

Países ultraconservadores como Nigéria, Arábia Saudita também defenderam essa postura, indo além e pedindo a eliminação do termo "igualdade de gênero" e trocando por "igualdade de sexo".

O texto será votado em duas semanas e, até lá, o governo brasileiro tentará convencer os autores do projeto a rever suas posições. Segundo o Itamaraty, o texto traz termos "subjetivos" e "temas delicados".

Reações

A atitude do governo brasileiro voltou a surpreender ativistas de direitos humanos. "O Brasil mais uma vez dá um vexame internacional e se firma no grupo de países que adotam as posturas mais retrógradas nas discussões sobre gênero nas Nações Unidas", afirmou Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos.

"O Itamaraty vai contra todo o consenso construído ao longo de décadas no assunto e passa a ser visto com descrédito. A postura do órgão não condiz com as políticas adotadas no Brasil há anos e com os compromissos internacionais assumidos pelo país em matéria de gênero e direitos sexuais e reprodutivos", disse.

Durante a reunião, o governo brasileiro tomou a palavra para dar sua sugestão e explicar sua posição. "Recomendamos não usar expressões que geram controvérsias", defendeu o Itamaraty. "Rejeitamos a prática do aborto como um método contraceptivo", afirmou. "Planejamento familiar é um assunto de liberdade do casal e o estado é responsável por prestar recursos a esse direito, sem coerção", completou.