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Jamil Chade

Ex-chanceler teme retirada de forças brasileiras do Líbano pós-explosão

O ex-chanceler Celso Amorim -
O ex-chanceler Celso Amorim

Colunista do UOL

06/08/2020 17h39

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O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa, Celso Amorim, criticou a sinalização do governo de Jair Bolsonaro de que poderia rever sua participação nas tropas das Nações Unidas com a função de ajudar a estabilizar o Líbano.

Meios de comunicação como a CNN revelaram nos últimos dias que o governo brasileiro vai avaliar se mantém a fragata que faz parte da missão internacional. Os poucos recursos da Marinha e uma mudança de prioridade política seriam algumas das considerações. Além disso, a aliança entre o governo brasileiro, EUA e Israel também poderiam estar pesando.

A missão passou a liderada pelo Brasil em 2011 e a ONU não tem ainda uma definição sobre como a missão seria comandada com uma eventual saída dos militares brasileiros.

"Independentemente das causas do acidente, que podem ter profundas implicações políticas, me perturba muito o anúncio de que o Brasil pode retirar sua fragata", disse o ex-chanceler. Amorim participou diretamente da decisão de envolver o governo na região, sob o convite dos próprios libaneses e da ONU.

Segundo ele, a participação brasileira é "altamente prestigioso" do ponto de vista das Forças Armadas Brasileiras e da Marinha. O local é o teatro naval mais antigo do mundo e tal liderança é um sinal de credibilidade do país.

"Portanto, me preocupa por muitos motivos. Primeiro por demonstrar uma falta de engajamento do Brasil com o Líbano, país com o qual temos imensas relações", disse. Amorim lembra que, em 2006, os bombardeios israelenses no país na sequência de ataques do Hezbollah levaram o governo brasileiro a realizar a maior operação de resgate em um confronto militar. 3 mil brasileiros, naquele momento, foram transportados ao país.

O ex-chanceler lembra que, durante anos, o governo libanês sempre buscou o diálogo com as autoridades brasileiras, inclusive aproveitando reuniões na ONU para encontros bilaterais. "O Líbano tinha interesse em nossa participação e de fato fizemos parte de muitos diálogos, inclusive depois da morte de Rafic Hariri", contou.

Para ele, o envolvimento do Brasil na região envolve o prestígio da Marinha, a questão geopolítica e o engajamento com Beirute.

Outro elemento que preocupa Amorim é a intenção do Brasil em declarar o Hezbollah como um "grupo terrorista". "Isso seria um enorme erro", afirmou. Segundo o ex-ministro, o grupo é hoje dentro do Líbano um partido político e tem uma "presença importante em diferentes governos".

"Tudo isso, no fundo, resultaria numa diminuição de nossa presença na região", afirmou. "Essa retirada só demonstra a pequenez de nossa política e a motivação é pior ainda, pois se refere a comprar uma visão ideológica de Israel e Estados Unidos que não é aceita pela comunidade internacional. Você pode pensar o que quiser do Hezbollah. Mas, numa questão tão delicada, deve seguir a ONU. E não Washington e Tel Aviv", completou.

De acordo com o Itamaraty, a decisão não estaria relacionada com os acontecimentos dos últimos dias. Em julho de 2019, a Marinha do Brasil apresentou, formalmente, ao Ministério da Defesa, a proposta para encerrar o emprego de navios e aeronaves na força internacional. A fragata brasileira retornaria ao Brasil até o fim deste ano.

Segundo o governo, com o fato novo da explosão e seus efeitos, Brasília passou a avaliar se mantém a decisão de trazer de volta para o Brasil a fragata ou se reconsidera e a mantém por mais tempo.