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Jamil Chade

Em carta, mil especialistas criticam Brasil por postura sobre patentes

Segundo a OMS, há 165 vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no mundo - REUTERS
Segundo a OMS, há 165 vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no mundo Imagem: REUTERS

Colunista do UOL

14/10/2020 12h49

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Mais de mil pesquisadores, ativistas, médicos, professores e membros da sociedade civil assinam uma carta criticando a "omissão" do governo diante do debate sobre patentes de remédios, vacinas e testes contra a covid-19. O documento será submetido ao Itamaraty e irá declarar o apoio das entidades e especialistas a um projeto de indianos e sul-africanos de sugerir a suspensão de propriedade intelectual de produtos para combater a pandemia.

Nesta quinta-feira, na Organização Mundial do Comércio, a proposta da Índia e da África do Sul começará a ser debatida. O projeto prevê a suspensão de todos os direitos de propriedade intelectual sobre todos os produtos que possam ajudar o mundo a lutar contra a covid-19. Mas, depois de 20 anos de uma liderança na questão de acesso a remédios, o governo brasileiro optou por não se aliar à proposta, conforme a coluna revelou.

O Itamaraty planeja fazer um discurso durante o encontro. Mas, enquanto as reuniões oficiais não começam, a pressão sobre o governo cresce. Numa carta, mais de 50 entidades e 1,1 mil especialistas brasileiros declaram seu apoio ao projeto de suspensão de patentes, se distanciando da postura do governo.

Entre as personalidades que assinam a carta estão Antonio José de Cerqueira Antunes, ex-secretário-geral da ALADI, Eleonora Menicucci, professora titular da Escola Paulista de Medicina e ex-ministra de Políticas para as Mulheres, Leonardo Boff, Jorge Bermudez, membro do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em acesso a medicamentos, Reinaldo Guimarães, ex-secretário de Ciência e Tecnologia, Renata Lebre La Rovere, professora do Instituto de Economia da UFRJ e dezenas de outros. A carta ainda conta com o apoio do ex-chanceler Celso Amorim, considerado por governos estrangeiros como um dos principais artífices do acordo de flexibilização de patentes.

"O acesso a vacinas, medicamentos, diagnósticos e outras tecnologias em saúde é um direito humano universal, mas sua realização tem sido repetidamente impedida por barreiras de propriedade intelectual, que tornam essas tecnologias artificialmente escassas e caras", disseram.

"Historicamente, o Brasil tem assumido posições de liderança na denúncia dos prejuízos sociais resultantes dos monopólios conferidos mediante a aplicação das regras do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC). Somos mundialmente reconhecidos por termos desempenhado um papel fundamental na defesa dos interesses das populações do Sul Global na negociação de salvaguardas para a proteção da saúde pública, em especial no enfrentamento da epidemia de HIV/Aids", alertam.

Para o grupo, no contexto da pandemia do novo coronavírus, o dano aos países do Sul é novamente escancarado. "51% das doses de vacinas em desenvolvimento contra a Covid- 19 já foram compradas por países ricos, onde vivem apenas 13% da população mundial. Além disso, no caso do medicamento remdesivir, usado para tratar casos graves, mais de 50% da população mundial está excluída do acesso a versões de baixo custo, inclusive os 10 países mais populosos da América do Sul, dentre eles o Brasil", indicaram.

Para os especialistas, portanto, a proposta da Índia e África do Sul é uma "resistência a este injusto cenário".

"Ao possibilitar a não aplicação destas regras de propriedade intelectual, tal iniciativa visa a potencializar o acesso da população mundial a todos os tipos de tecnologias que venham a ser utilizadas no combate ao novo coronavírus", disseram.

"Esta proposta pode impactar positivamente o curso da pandemia e poupar incontáveis vidas mundo afora", apostam.

O grupo, porém, lamenta que a iniciativa não é apoiada pelo Brasil. "Apesar de sua evidente importância, a iniciativa não conta com o apoio do Estado brasileiro, cuja omissão tem sido lamentavelmente sentida e pode gerar consequências graves para diversas populações em risco — incluindo a brasileira", apontam.

"No entanto, a luta do Brasil em defesa do direito à saúde nunca esteve restrita às esferas governamentais. Ela é fruto da mobilização de sua gente e se insere na longa história de resistência dos povos do Sul Global. A subserviência de autoridades transitórias e a sujeição do interesse público ao poder econômico, portanto, não passarão de uma triste exceção em nossa caminhada", denunciam.

"Sendo assim, apesar do comportamento negligente e contraditório dos atuais ocupantes das instâncias de poder em nosso país, nós, indivíduos e organizações da sociedade civil brasileira, manifestamos nosso mais vigoroso apoio à proposta de suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre tecnologias em saúde utilizadas no combate à Covid-19 e conclamamos os Estados-membros da OMC, bem como toda a comunidade global, a se juntarem em apoio à proposta da Índia e da África do Sul na defesa da saúde de todos os povos", completam.