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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Governo tenta abafar alertas internacionais sobre ameaça à eleição no país

21.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante o discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU - AFP
21.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante o discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU Imagem: AFP

Colunista do UOL

17/06/2022 13h13

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Resumo da notícia

  • Governo imita países autoritários, critica "conduta" e questiona profissionalismo de relator da ONU que alertou para ameaça de violência na eleição
  • No início da semana, delegação brasileira elevou tom ao mandar recado para a ONU que recusa interferência externa no pleito no país.
  • Governo já havia vetado a participação da Europa no monitoramento da eleição no Brasil

O questionamento internacional em relação à eleição no Brasil, em outubro, deixa o governo irritado e mobiliza o Itamaraty para rebater críticas e alertas. Nesta sexta-feira, o governo de Jair Bolsonaro decidiu seguir a linha adotada por alguns dos regimes autoritários do mundo e criticar, em público, a "conduta" de um relator da ONU que ousou alertar para o risco de violência contra certos grupos no país no contexto das eleições.

Coube ao relator da ONU para liberdade de associação, Clément Nyaletossi Voule, soar o alerta em relação ao país diante de todos os governos que fazem parte do Conselho de Direitos Humanos das Nações. Esse foi o quarto episódio de uma crítica pública da ONU contra o Brasil, em apenas uma semana. A frequência dos questionamentos é considerada como um sinal da preocupação internacional diante do contexto nacional.

O relator realizou em março deste ano uma missão ao Brasil. Mas seu relatório apenas será apresentado apenas em junho de 2023. Mesmo assim, ele aproveitou sua presença diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, para mencionar sua preocupação com a situação brasileira.

"Reitero minha grande preocupação diante dos altos níveis de violência contra defensores de direitos humanos, comunidades locais, quilombolas e indígenas, assim como contra líderes políticos e afrodescendentes", afirmou.

"Faço um apelo ao governo para garantir que esses grupos sejam capazes de implementar seus direitos à associação sem temerem serem perseguidos, especialmente no contexto das eleições", disse Voule.

O relator ainda deixou claro que ficou impressionado com a diversidade e a robustez da sociedade civil brasileira, que tem um "papel crucial" para a democracia e para apoiar os mais vulnerareis diante da pandemia.

Momentos depois, a delegação brasileira pediu um direito de resposta e questionou o relator. "O Brasil lamenta que algumas recomendações e comentários por parte do relator não leva plenamente em consideração o padrão de conduta profissional que os mandatos devem observar", criticou. De acordo com o Itamaraty, uma resposta mais completa diante das críticas do relator, porém, apenas será dada "no momento apropriado, em 2023".

O Brasil voltou a garantir o compromisso de todos os órgãos nacionais para organizar eleições em outubro de 2022 de forma "livre, justa e transparente, de acordo com nossa Constituição e obrigações internacionais".

Governo elevou tom

Na última terça-feira, o governo também insistiu em rebater as preocupações internacionais sobre a eleição no país. "Reafirmamos o compromisso mais firme com a organização de eleições livres, justas, transparentes e seguras para todos, conforme prevê nossa Constituição e nossas obrigações internacionais", afirmou o embaixador do Brasil na ONU, Tovar Nunes.

Mas ele elevou o tom, num gesto que foi interpretado como uma mensagem para a ONU de que o governo se recusa a aceitar os comentários tecidos sobre a eleição.

"Agora, se há algo que estamos de acordo é que não exista espaço para inferência de nenhum lugar. Nesse importante momento para a democracia no Brasil, estamos amparados pela independência e autonomia de nossas instituições e no marco constitucional da separação dos poderes", completou o embaixador.

Um dia antes, num ato poucas vezes visto em relação ao Brasil, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, cobrou independência das instituições nacionais em um ano de eleição, fez um apelo por um processo "democrático", "sem interferência" e alertou para a violência contra mulheres, negros e representantes do movimento LGBTI+ que concorram ao pleito, em outubro.

Bachelet incluiu o Brasil em seu informe sobre situações que preocupam a entidade e que foi apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra.

Duas horas depois de fazer seu discurso, em uma coletiva de imprensa, Bachelet aumentou o tom da cobrança ao ser questionada sobre o Brasil. "Em outubro vocês têm eleições. E peço a todas as partes do mundo que as eleições sejam justas, transparentes e que as pessoas possam participar livremente", disse. "Será um momento democrático muito importante e não deve haver interferência de nenhuma parte para que o processo democrático possa ser atingido", insistiu.

Bachelet, ex-presidente do Chile e que se chocou com o presidente Jair Bolsonaro desde 2019, escolheu fazer o alerta sobre as eleições em seu último discurso diante do órgão internacional. Ela anunciou na mesma reunião que não continuará no cargo máximo de direitos humanos da ONU, depois de quatro anos no posto.

Ela também fez uma cobrança sobre as instituições, ainda que não tenha citado textualmente o nome de Jair Bolsonaro e seus ataques contra o Judiciário e as instâncias responsáveis pelas eleições. "Apelo às autoridades para que garantam o respeito aos direitos fundamentais e instituições independentes", completou Bachelet.