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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Carta a Elon Musk: a desinformação ameaça a democracia

Elon Musk - GETTY IMAGES
Elon Musk Imagem: GETTY IMAGES

Colunista do UOL

13/11/2022 04h00

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Esta é a versão online da newsletter do Jamil Chade enviada ontem (12). Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista comenta sobre a sabatina pela qual o governo de Jair Bolsonaro passará no Conselho de Direitos Humanos da ONU na segunda-feira (14), em que suas políticas sociais serão avaliadas. Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu email, na semana que vem? Clique aqui e se cadastre.

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Sr. Elon Musk,

A mentira mata, o ódio alimenta a violência e a desinformação ameaça a democracia. Em todo o mundo, acompanhamos de perto o processo de aquisição do Twitter pelo senhor. Confesso: como jornalista, como cidadão e como pai, estou preocupado.

Escrevo esta carta, portanto, com o objetivo de fazer um apelo para que o senhor tenha a noção de que é proprietário de uma arma das mais poderosas da nossa geração. Ela tem a capacidade de conectar as pessoas e criar um sentimento de comunidade. Mas ela também pode ser o veículo de crimes atrozes.

O senhor deve bem saber que, assim que a aquisição foi completada, houve uma explosão de mensagens de ódio em sua nova rede social. Nas doze horas seguintes à compra de US$ 44 bilhões, 4,7 mil mensagens de ódio foram publicadas a cada 60 minutos em sua rede, mais de quatro vezes a taxa nas doze horas anteriores. Enquanto isso, o uso de expressões racistas saltou em 400%.

Uma das teses é de que os usuários, diante de sua visão de mundo, consideraram que agora já estavam autorizados a usar essa arma para fazer dano.

Chama a atenção o fato de que o senhor jamais explicou exatamente quando disse que queria uma plataforma "mais democrática" e que o "pássaro estava livre" para voar. Tampouco ficou claro se o senhor entende o impacto de suas palavras ao anunciar que sua posição é a de ser um "absolutista da liberdade de expressão", ou que estava preocupado com o suposto excesso de moderação por parte da equipe de sua nova empresa ao lidar com mensagens criminosas.

Nos dias que se seguiram à aquisição, fiquei em choque ao saber que o senhor demitiu todos os membros do Conselho de Direitos Humanos da empresa. A equipe trabalhava para proteger usuários ameaçados por violações de direitos humanos em todo o mundo, incluindo ativistas e jornalistas.

O senhor também desmontou a equipe que estava examinando a incorporação de questões éticas na elaboração dos algoritmos e em inteligência artificial.

Tão preocupante quanto essas medidas foi ler os aplausos de Donald Trump ao senhor, por conta da aquisição. Ele garante estar "muito feliz por ver que o Twitter está em mãos sãs". E ainda completou: "eu amo a verdade". Bom, sabemos que até essa frase é mentirosa.

Escrevo, obviamente, de uma perspectiva brasileira. De um país que conseguiu atravessar uma eleição conturbada. Mas na qual ficou evidenciado que a desinformação é o grande desafio da nossa democracia. Essa desinformação hackeou nosso pacto social, criou realidades paralelas e autorizou uma parcela da população a cometer crimes.

Não se isente de sua responsabilidade a partir de agora na construção —ou destruição— da democracia, em todo o mundo.

Se há um projeto político autoritário por trás dessa ofensiva, que seja dado o nome correto aos fatos: crime. Se há um projeto de ganância financeira, que também seja dado o nome adequado: imoral.

Há poucos dias, os mais altos representantes da ONU para direitos humanos enviaram ao senhor uma outra carta. Mas me permita aqui repetir alguns dos pontos principais da mensagem que lhe foi passada. Considero que, sem entender tais pontos, as redes sociais jogarão a humanidade numa longa noite.

  1. Proteger a liberdade de expressão em todo o mundo. Isso inclui defender os direitos à privacidade e à livre expressão na medida do possível, sob as leis pertinentes, e a informar com transparência sobre os pedidos do governo que infrinjam esses direitos.
  2. A liberdade de expressão não é um livre-trânsito. A disseminação viral de desinformação prejudicial, como a verificada durante a pandemia de covid-19 em relação às vacinas, resulta em danos no mundo real. O Twitter tem a responsabilidade de evitar amplificar o conteúdo que resulta em danos aos direitos de outras pessoas.
  3. Não há lugar para o ódio que incita a discriminação, hostilidade ou violência no Twitter. A disseminação do discurso do ódio nas mídias sociais tem tido consequências horríveis. As políticas de moderação de conteúdo do Twitter devem continuar a barrar tal ódio na plataforma. Todos os esforços devem ser feitos para remover tal conteúdo prontamente. A lei de direitos humanos é clara: a liberdade de expressão tem como limite o ódio que incita à discriminação, hostilidade ou violência.
  4. A transparência é fundamental. A pesquisa é essencial para compreender melhor o impacto das mídias sociais em nossas sociedades. Solicita-se, portanto, que o senhor mantenha o acesso aos dados do Twitter através de suas interfaces abertas de programação de aplicativos.
  5. Proteger a privacidade. A liberdade de expressão depende da proteção efetiva da privacidade. É vital que o Twitter se abstenha de rastrear invasores e acumular dados relacionados e que resista, na medida do possível, sob as leis aplicáveis, a pedidos injustificados de dados de usuários por parte dos governos.
  6. Idiomas e experiência contextual não são opcionais. As responsabilidades do Twitter de manter uma plataforma segura e respeitadora dos direitos aplicam-se não apenas ao conteúdo em inglês, mas globalmente.

Portanto, senhor Musk, não assuma que existem liberdades absolutas. Para voar, o seu pássaro não pode ter o direito de matar, de destruir ou de manipular consciências e almas. Nossa civilização está numa encruzilhada e o senhor tem uma responsabilidade do tamanho de seu patrimônio.

Saudações democráticas

Jamil

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