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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Bolsonaro ignora promessas e ideologia e intensifica comércio com a China

25.out.2019 - O presidente brasileiro Jair Bolsonaro cumprimenta o presidente chinês Xi Jinping durante sua viagem ao país asiático - Divulgação/Isac Nóbrega/Presidência da República
25.out.2019 - O presidente brasileiro Jair Bolsonaro cumprimenta o presidente chinês Xi Jinping durante sua viagem ao país asiático Imagem: Divulgação/Isac Nóbrega/Presidência da República

Colunista do UOL

28/12/2022 04h00

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Se o discurso do bolsonarismo tentou transformar a China numa espécie de vilã internacional e alvo de acusações sobre a ofensiva comunista no mundo, a realidade é que o mandato de Jair Bolsonaro termina com a relação comercial e de investimentos entre os dois países batendo todos os recordes.

Os números se contrastam com os ataques constantes do ex-chanceler Ernesto Araújo contra Pequim, desmentem os discursos do presidente contra a vacina chinesa e mostram o fracasso da estratégia adotada pelo Itamaraty nos primeiros anos do governo para minar qualquer aproximação entre Brasília e Pequim.

No governo, nos primeiros meses de 2019, a ordem era a de promover uma aproximação total aos EUA de Donald Trump e até mesmo forjar alianças diplomáticas contra o país asiático. Em reuniões da ONU, o comunismo chinês era denunciado pelo Itamaraty, enquanto o então ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta chegou a confessar que qualquer aproximação de sua pasta com a China era minada pelo Executivo.

A realidade foi bem diferente do discurso bolsonarista. Dados do próprio governo indicaram que, até o final de novembro, a China representava 27% de toda a exportação do Brasil ao mundo.

Ou seja: de cada quatro dólares que o país obtém no mercado internacional com suas vendas, um vem da China.

Somados, os cinco principais destinos das exportações brasileiras depois da China não chegam ao valor do mercado de Pequim para os bens nacionais.

O mercado americano é responsável por consumir 11% das vendas do Brasil ao mundo, contra 4,7% na Argentina, 3,6% nos Países Baixos, 3% na Espanha e 2,7% no Chile.

O que ocorreu nos quatro anos de Bolsonaro? Em resumo, Brasil e China intensificaram de forma inédita sua relação comercial e de investimentos, superando qualquer outro momento da história recente do Brasil.

O primeiro ano do governo, em 2019, terminou com exportações brasileiras para a China de US$ 63 bilhões, contra uma venda ao mercado americano de US$ 29 bilhões. Quatro anos depois, a diferença do papel entre americanos e chineses na pauta brasileira foi ainda maior. Até novembro de 2022, o Brasil exportou US$ 83 bilhões para a China, contra US$ 33 bilhões para os EUA.

O aumento das exportações foi puxado, principalmente, pelo crescimento da agropecuária e pela indústria extrativa.

No que se refere às importações, os dados também mostram que o pragmatismo e realidade comercial não foram afetados por um governo com parâmetros ideológicos.

Em 2019, China e EUA disputavam o espaço como maior fornecedor de bens ao Brasil. Pequim, naquele momento, havia exportado US$ 36 bilhões ao país, contra US$ 34 bilhões dos americanos. Quatro anos depois, o salto é significativo na presença chinesa.

Até novembro de 2022, a China tinha exportado US$ 56 bilhões em bens para o Brasil, contra US$ 47 bilhões de importações americanas.

De fato, apenas em 2022, a importação de bens chineses ao Brasil aumentou de forma significativa, com um salto de 30% em comparação aos dados de 2021.

Os dados impressionam:

  • Entre 2020 e 2022, a relação comercial entre China e Brasil bateu sucessivos recordes
  • Em 2021, 20% de todos os alimentos que a China importou saíram do Brasil.
  • Em 2020, o superávit comercial do Brasil com a China representou 65% de todo o superávit do Brasil com o mundo.
  • Entre 2011 e 2021, o superávit comercial do Brasil com a China atingiu US$ 200 bilhões

Os motivos para essa explosão comercial são várias. Segundo a diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, Cláudia Trevisan, algumas delas podem ser explicadas pela:

  • Guerra comercial entre China e EUA, abrindo espaço para a exportação de bens agrícolas do Brasil para o mercado chinês.
  • O crescimento da economia da China, no auge da pandemia.
  • A relação estrutural de interdependência entre os dois países.

E os investimentos? O Conselho Empresarial Brasil-China destaca que, em 2021, empresas chinesas investiram US$ 5,9 bilhões no Brasil, valor 208% superior ao de 2020 e o maior desde 2017.

O que mostram os números, uma vez mais, desbancam a retórica anti-China de Bolsonaro. Segundo o Conselho Empresarial Brasil-China:

  • O crescimento dos investimentos chineses no Brasil foi muito superior ao aumento de 23% no total de aportes estrangeiros no país em 2021 registrado pelo Banco Central do Brasil.
  • O avanço dos investimentos chineses no Brasil foi muito superior à expansão de 3,6% dos aportes chineses no mundo em 2021, para US$ 113,6 bilhões, de acordo com o Ministério do Comércio da China (MOFCOM).
  • O China Global Investment Tracker estima que o Brasil foi o país que mais recebeu investimentos chineses no mundo em 2021, com participação de 13,6% do total.
  • Na mão contrária da expansão registrada no Brasil, os investimentos chineses nos Estados Unidos e na Austrália caíram 27% e 70%, respectivamente. Na Belt and Road Initiative (BRI), a queda foi de 41%.

E o futuro?

Para Cláudia Trevisan, uma das novidades no comércio bilateral é a sofisticação do consumo de alimentos pela China, o que significará uma diversificação maior por parte dos asiáticos em suas compras de produtos brasileiros.

No lugar de uma compra de produtos a granel, hoje há uma tendência cada vez maior por alimentos já prontos para o consumo. Portanto, com maior valor agregado.

Na equipe de transição no Brasil e entre membros do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, a China terá um papel importante na reformulação da política externa do país e será um dos primeiros destinos de viagens internacionais de Lula.

A esperança do novo governo é a de voltar a fortalecer a relação com os Brics. Mas sem que tal aproximação signifique um novo alinhamento automático ou uma relação de subserviência diante do país que representa o maior destino de exportações nacionais.