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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Apoio do Ocidente para Ucrânia é 3 vezes maior que combate à fome no mundo

21.dez.2022 - O presidente dos EUA, Joe Biden, e a primeira-dama, Jill Biden, recebem o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca - DREW ANGERER / GETTY IMAGES VIA AFP
21.dez.2022 - O presidente dos EUA, Joe Biden, e a primeira-dama, Jill Biden, recebem o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca Imagem: DREW ANGERER / GETTY IMAGES VIA AFP

Colunista do UOL

23/02/2023 04h00

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Às vésperas de a guerra na Ucrânia completar um ano, dados revelam que as potências Ocidentais destinaram quase US$ 120 bilhões em entrega de armas e ajuda financeira ao governo de Kiev. 

O volume é três vezes maior que as estimativas que a ONU faz sobre os recursos necessários para lidar com a fome no mundo a cada ano. Com US$ 40 bilhões por ano até 2030, a comunidade internacional erradicaria um dos maiores dramas que acompanha a humanidade em toda sua história. 

O fluxo de dinheiro para a Ucrânia é ainda 20 vezes maior que a estimativa de quanto a ONU precisa para alimentar, durante um ano, a população mais vulnerável do planeta, espalhada em todos os continentes. 

A ajuda militar para a Ucrânia ainda é mais de duas vezes o volume de recursos que as agências humanitárias solicitam para que, em 2023, possam sair ao resgate de 230 milhões de pessoas em 69 países que vivem profundos problemas sociais, naturais e de conflitos armados, incluindo Haiti e Venezuela. 

De acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial, com sede na Alemanha, US$ 108 bilhões foram destinados pelos governos ocidentais para Kiev, entre fevereiro de 2022 e início de janeiro de 2023. Mas, nos últimos dias, o Japão anunciou mais US$ 5,5 bilhões para a Ucrânia, enquanto o presidente americano Joe Biden usou sua viagem para a capital ucraniana para também colocar mais US$ 500 milhões sobre a mesa. Enquanto isso, os governos europeus se mobilizam para criar um consórcio para abastecer a Ucrânia com munição em 2023. 

Para diplomatas, a pressão colocada pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por armas foi em parte atendida pelas capitais das potências ocidentais, enquanto mediadores passaram a alertar que a dimensão do envolvimento de americanos e europeus na guerra é inédita num confronto contra os russos, desde o final da Guerra Fria. 

Biden, de fato, destacou em seu discurso em Varsóvia na quarta-feira o fato de que a aliança ocidental mostrou seu compromisso com os ucranianos ao longo do ano, para a surpresa de analistas internacionais e mesmo do governo de Moscou. 

Para diplomatas, o erro de Vladimir Putin pode ter sido o de apostar que a aliança ocidental não duraria ou que o apoio para a Ucrânia encontraria resistência dentro das sociedades ocidentais, já afetadas por questões sobre a democracia, uma radicalização de posições e uma dívida acumulada dos anos da pandemia da covid-19.

Tanto na Europa como nos EUA, cresce a pressão de uma parcela da sociedade e das lideranças políticas diante do preço que as populações dessas duas partes do mundo estariam sofrendo por conta das sanções contra Moscou e apoio aos ucranianos. 

Não por acaso, tanto Biden como os líderes europeus usaram os últimos discursos para enquadrar o envolvimento na Ucrânia como uma “luta pela democracia”. Para Putin, a estratégia é simplesmente a de enfraquecer a Rússia.

Busca por novos aliados

Com a guerra entrando em um segundo ano e diante dos cálculos militares de que ela poderá ser ainda mais violenta, capitais europeias e a Casa Branca intensificaram a busca por novos aliados, que possam também contribuir. 

Coube ao chanceler alemão, Olaf Scholz, buscar na América do Sul fornecedores, como no caso do Brasil. Mas sua recente turnê pelo continente terminou sem resultados diante da recusa dos governos da região em se envolver na guerra. 

Maiores doadores

Hoje, o maior doador de recursos para Kiev é o governo dos EUA. De acordo com o instituto alemão, US$ 78 bilhões foram destinados pelos americanos aos ucranianos, em apenas um ano. Desse total, apenas 3,7 bilhões de euros foram para a ajuda humanitária. O restante envolveu a compra de armas e apoio financeiro ao estado ucraniano, para que pudesse continuar operando e pagando salários. 
 
Ainda que o Departamento de Estado norte-americano avalie que a ajuda militar é de US$ 30 bilhões, analistas acreditam que esse volume se refere apenas à assistência direta em compra e entrega de armas, o que não revelaria o volume completo do envolvimento americano. 

Juntos, os países europeus destinaram cerca de US$ 35 bilhões de euros para os ucranianos. A maior ajuda vem do Reino Unido, com US$ 8,8 bilhões. Metade do valor foi usado especificamente para a compra de armas. Segundo o Instituto Kiel, os alemães enviaram US$ 6,1 bilhões, ainda que o governo de Olaf Scholz insista que o valor é de US$ 12 bilhões e inclui a ajuda aos mais de 1,1 milhão de refugiados que cruzaram suas fronteiras. 

Segundo o levantamento, os recursos destinados pelos países que fazem fronteira com a Rússia revelam a preocupação desses governos com a possibilidade de que possam ser os próximos a serem invadidos. 

Só a Polônia deu mais de US$ 3,5 bilhões para os ucranianos, ainda que o governo de Varsóvia calcule que a guerra já custou mais de US$ 8,5 bilhões diante da ajuda que foi obrigada a destinar para os mais de 1,5 milhão de refugiados hoje instalados em seu território.

Chama ainda a atenção o fato de que os países bálticos - Estônia, Lituânia e Letônia - serem aqueles que mais enviaram ajuda, em comparação ao tamanho de suas economias. A Estônia, por exemplo, mandou o equivalente de 1% de seu PIB para os ucranianos, contra 0,4% dos americanos. 

Emmanuel Macron, presidente francês, destinou apenas 0,07% do PIB de seu país para os ucranianos, ainda que insista em tomar a palavra como uma espécie de liderança no processo de ajuda para Kiev.