No G20, Brasil rebate ofensivas de Trump e sai em defesa da diplomacia
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O chanceler Mauro Vieira usou seu discurso na reunião do G20, na África do Sul, para dar respostas e criticar algumas das principais propostas de Donald Trump no cenário internacional. A reunião ocorreu sem a presença do chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, que decidiu não ir como protesto às políticas de terras dos anfitriões sul-africanos.
Durante o discurso, ainda que sem citar o nome do presidente americano, o representante do governo Lula insistiu que qualquer solução para guerra na Ucrânia terá de contar com os dois lados na guerra. Nos últimos dias, Trump deixou claro que sua negociação ocorrerá com Vladimir Putin, deixando Kiev marginalizada do processo e enfurecendo os europeus. Nesta semana, o americano chegou a chamar Volodymyr Zelensky de "ditador" e insinuou que ele não teria legitimidade sequer para ser presidente.
O Brasil, depois de consultas com europeus e outras nações, fez questão de insistir sobre a necessidade de que o processo negociador inclua a todos.
"Lamentavelmente, o conflito na Ucrânia completa três anos em fevereiro deste ano. Durante esse tempo, vimos uma crise humanitária crescente e uma corrida armamentista cada vez maior", disse Vieira.
"Desde o início, o Brasil tem enfatizado a necessidade de diálogo e de uma solução negociada, guiada pelos princípios da Carta das Nações Unidas e considerando as preocupações de segurança de todas as partes", afirmou.
Ele lembrou como o Brasil e a China lançaram uma iniciativa conjunta para apoiar futuros esforços de paz. "Em setembro passado, organizamos uma reunião de alto nível dos países do Sul Global sobre o conflito na Ucrânia em Nova York. Isso levou à criação do "Grupo de Amigos da Paz", que agora inclui 17 países", disse.
"O Brasil pede o fim do conflito e acredita que uma paz duradoura só pode ser alcançada por meio da diplomacia. Além disso, o Brasil considera necessário reiterar que qualquer solução viável para essa guerra deve surgir de um processo de paz que inclua ambos os lados do conflito na mesa de negociações - algo que nosso país e muitos outros têm enfatizado desde o início das hostilidades", insistiu.
Gaza e limpeza étnica
Vieira também sinalizou uma posição contrária a de Trump ao tratar da situação dos palestinos. "A guerra em Gaza demonstra quem paga o preço quando a diplomacia falha. Após 15 meses de combates, mais de 47.000 palestinos e 1.200 israelenses perderam a vida, com muitas mulheres e crianças entre as vítimas", disse. "A Faixa de Gaza está devastada, com grande parte de sua infraestrutura civil destruída", lamentou.
Em seu discurso, ele fez um apelo "a todas as partes para que garantam a estrita implementação do acordo de cessar-fogo e espera que ele possa levar à retirada completa das forças israelenses de Gaza, à libertação de todos os reféns remanescentes e ao acesso desimpedido de ajuda humanitária à Faixa".
Mas, uma vez mais sem citar o nome de Trump, ele mandou seu recado.
"A defesa da solução de dois Estados é ainda mais importante nesse momento. Nesse sentido, a ideia recentemente proposta de expulsar toda a população de Gaza, desafiando os princípios mais fundamentais do direito internacional, é um novo e terrível desenvolvimento", afirmou.
"Como o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, disse - e eu cito -: 'É essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica'", insistiu.
Trump costura a tentativa de expulsar a população de Gaza do território e vem negociando a proposta com outros países.
Defesa do direito internacional
De uma forma mais ampla, o governo Lula insistiu sobre a necessidade de reforçar a ideia de uma cooperação internacional como forma de lidar com as crises pelo planeta e da defesa do direito internacional, elementos sob ataque desde a posse de Trump.
"O Brasil se opõe veementemente ao uso da força militar para resolver disputas. Para combater isso, precisamos fortalecer a cooperação global. Conforme descrito em nosso "Chamado à Ação do G20 sobre a Reforma da Governança Global", o sistema internacional deve se basear na Carta das Nações Unidas e no direito internacional, com instituições modernizadas e uma representação mais justa que reflita o mundo de hoje", disse.
O governo aponta que para isso, porém, reformas precisam ocorrer. "Este ano marca o 80º aniversário das Nações Unidas. Sua estrutura está desatualizada. O Conselho de Segurança ainda reflete a era pós-Segunda Guerra Mundial, e os sistemas financeiros e comerciais globais têm dificuldades para enfrentar os desafios atuais, especialmente para os países em desenvolvimento", disse Vieira.
"Para tornar a governança global mais justa e eficaz, as nações em desenvolvimento devem ter uma voz mais forte nas principais organizações internacionais. Um sistema multilateral mais forte, liderado pela ONU, é essencial para que essas instituições cumpram seu objetivo. Devemos nos concentrar nas ameaças globais, como a pobreza e as mudanças climáticas", disse.
Clima
Diante da saída dos EUA do Acordo de Paris, o governo brasileiro também fez um apelo para que o G20 se una para dar uma resposta à crise climática.
"O Brasil sediará a COP30, que ocorrerá na floresta Amazônica, na cidade de Belém. Neste momento crítico para a luta contra as mudanças climáticas em um ambiente geopolítico complexo, é de extrema importância que todos os nossos países possam fazer um esforço decisivo para um resultado ambicioso. Precisamos trabalhar juntos, mais do que nunca", completou.
O temor no governo é de que, sem o governo americano, a cúpula em Belém seja esvaziada.
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