Apuração alerta agência da ONU em Gaza, mas não confirma denúncia de Israel
Israel não forneceu provas de suas acusações contra os funcionários da ONU sobre um suposto envolvimento com o Hamas, e a agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) tem regras suficientes para garantir sua neutralidade. Mas o organismo internacional enfrenta problemas que ameaçam sua neutralidade, e medidas precisam ser tomadas para fortalecer seus mecanismos de controle.
Essas são algumas das conclusões das investigações conduzidas de forma independente por uma equipe convocada para lidar com a crise estabelecida entre a entidade e o governo de Benjamin Netanyahu.
A apuração foi revelada nesta segunda-feira (22), mas autoridades israelenses criticaram o informe e acusararam os investigadores de terem ignorado a dimensão do problema. Tel Aviv ainda fez um apelo para que a comunidade internacional não transfira dinheiro para a UNRWA.
As acusações de Israel
Em janeiro deste ano, no dia em que seria alvo de medidas por parte da Corte Internacional de Justiça, Israel anunciou a suposta descoberta de que 12 funcionários da agência da ONU estariam envolvidos nos ataques do Hamas de 7 de outubro.
O que se viu nas semanas seguintes foi uma debandada de financiadores da agência, que tem entre uma de suas atribuições alimentar milhares de palestinos em Gaza. Netanyahu passou a defender abertamente que o organismo fosse fechado.
Apesar de implorar para que doadores não suspendessem o repasse de recursos, a agência perdeu mais de US$ 450 milhões, no auge da crise humanitária em Gaza.
Investigação diz que Israel nunca havia questionado funcionários da agência
Naquele momento, a ONU criou duas equipes de investigações, com a função de verificar a acusação de Israel e propor mudanças no trabalho da agência.
Um dos grupos foi liderado pela ex-chanceler francesa Catherine Colonna. Esta equipe publicou hoje suas conclusões, entre as quais contesta as alegações de Netanyahu.
Ainda que ela admita que medidas precisam ser tomadas para fortalecer a independência e neutralidade da UNRWA, a ex-ministra e sua equipe apontam que a agência conta com um quadro robusto para garantir que haja neutralidade em seu trabalho humanitário.
A entidade tem, segundo Colonna, "um número significativo de mecanismos e procedimentos para garantir" os princípios de neutralidade. Os nomes dos funcionários ainda são compartilhados com os serviços de inteligência de toda a região e, sob pedido, até para os EUA.
O informe ainda aponta que o governo israelense não levantou "quaisquer preocupações relacionadas a qualquer funcionário da UNRWA com base nessas listas de funcionários desde 2011".
O Ministério das Relações Exteriores de Israel informou que, até março de 2024, eles haviam recebido listas de funcionários sem números de identificação (ID) palestinos. Com base na lista de março de 2024, que continha números de identificação palestinos, Israel tornou públicas as alegações de que um número significativo de funcionários da UNRWA é membro de organizações terroristas. No entanto, Israel ainda não forneceu evidências que comprovem isso.
trecho do relatório de investigação sobre a UNRWA
"Todos os beneficiários da UNRWA, contratados, fornecedores, doadores não estatais ou qualquer outro indivíduo ou organização afiliada à UNRWA são examinados semestralmente pela agência usando a lista de sanções da ONU", diz a apuração. 8 milhões de dados, segundo a investigação, não foram confrontados pelo governo de Israel.
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JAMIL CHADE
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Quero receberViolações do princípio da neutralidade e necessidade de maior controle
Apesar de ser um golpe contra as alegações de Israel, o informe reforça que medidas precisam ser tomadas pela UNRWA para garantir sua neutralidade e lutar contra o discurso de ódio entre os palestinos contra Israel.
Os problemas envolvem casos de funcionários que expressam publicamente opiniões políticas, livros didáticos com conteúdo problemático sendo usados em algumas escolas da UNRWA e sindicatos de funcionários politizados fazendo ameaças contra a administração da UNRWA e causando interrupções operacionais.
Com 32 mil funcionários, mais de 99% deles são palestinos.
"A UNRWA enfrenta desafios devido ao aumento da politização entre seus funcionários, o que afeta sua neutralidade", alertou a investigação. "São cruciais as estratégias de prevenção, o monitoramento da conformidade de acordo com as regras e regulamentos internacionais e locais do pessoal e com os padrões de conduta relevantes, bem como uma resposta adequada a possíveis violações", apontou.
A investigação também indicou que "as instalações da UNRWA foram, por vezes, utilizadas indevidamente para fins políticos ou militares, prejudicando sua neutralidade".
"Se a prevenção e a resposta ao uso político indevido das instalações da UNRWA foram eficientes, a agência teve mais dificuldade em lidar adequadamente com o uso de suas instalações para fins militares", alertou, ecoando um argumento de uma manipulação por parte do Hamas.
"Medidas preventivas, monitoramento aprimorado e relatórios transparentes são necessários para abordar essa questão de forma eficaz", recomendou.
Entre 2017 e 2022, o número anual de supostas violações de neutralidade ficou entre 7 e 55, com uma média de 21 supostas violações por ano.
"Desde outubro de 2023, o número de supostas violações aumentou significativamente", admitiu o informe. "Entre janeiro de 2022 e fevereiro de 2024, a Divisão de Investigações recebeu 151 alegações de violação de neutralidade. A maioria das supostas violações de neutralidade está relacionada a publicações em mídias sociais", explicou.
Em abril de 2024, 50 casos de neutralidade estavam sendo investigados.
"Há um claro desafio de capacidade para gerenciar o número de alegações de neutralidade por meio das estruturas e da equipe existentes. Os recursos são escassos, limitando a capacidade da UNRWA de atrair, contratar, treinar e manter investigadores adequados, experientes e qualificados", alertou. Um dos problemas é ainda a segurança para os auditores.
Relatório aponta problemas de neutralidade em livros didáticos
A questão das escolas lideradas pela agência e os livros usados também foi alvo de críticas. A agência administra 706 escolas, com 20.000 funcionários da área educacional. Segundo a investigação, a agência "trabalha consistentemente para garantir a neutralidade em sua educação".
"A mais recente das revisões rápidas anuais da UNRWA dos livros didáticos da Autoridade Palestina é a revisão de 2022/2023. Ela constatou que 3,85% de todas as páginas dos livros didáticos contêm questões que preocupam os valores, a orientação ou as posições da ONU sobre o conflito, seja porque são consideradas inadequadas do ponto de vista educacional", diz.
"Mesmo que marginais, essas questões constituem uma grave violação da neutralidade", alerta o informe.
A investigação pede que a agência atue para "banir qualquer discurso de ódio, incitação à violência e/ou referências antissemitas dos livros didáticos do país anfitrião e dos suplementos produzidos localmente nas escolas da UNRWA". Enquanto isso, ela precisa parar de usar o material contestado.
Apesar de todos os alertas e críticas, a investigação conclui que:
A UNRWA continua sendo fundamental no fornecimento de ajuda humanitária que salva vidas e de serviços sociais essenciais, especialmente em saúde e educação, aos refugiados palestinos em Gaza, Jordânia, Líbano, Síria e Cisjordânia. Como tal, a UNRWA é insubstituível e indispensável para o desenvolvimento humano e econômico dos palestinos.
relatório de investigação sobre atuação da UNRWA
A resposta de Israel: "não transfira dinheiro para a UNRWA"
Num comunicado, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, afirmou que "o Hamas se infiltrou tão profundamente na UNRWA que não é mais possível determinar onde termina a UNRWA e onde começa o Hamas".
"Mais de 2.135 funcionários da UNRWA são membros do Hamas ou da Jihad Islâmica Palestina (PIJ), enquanto um quinto dos administradores de escolas da UNRWA são membros do Hamas", disse. "O problema com a UNRWA-Gaza não é o de algumas maçãs podres; é uma árvore podre e venenosa cujas raízes são o Hamas."
Segundo ele, "o relatório Colonna ignora a gravidade do problema e oferece soluções cosméticas que não lidam com o enorme escopo da infiltração do Hamas na UNRWA".
"Essa não é a aparência de uma revisão genuína e completa. Essa é a aparência de um esforço para evitar o problema e não enfrentá-lo de frente", acusou.
Diante do informe, Israel pede aos países doadores que "se abstenham de transferir o dinheiro de seus contribuintes para a UNRWA-Gaza, pois esses fundos serão destinados à organização terrorista Hamas, o que viola a legislação dos próprios países doadores".
"Israel pede aos países doadores que transfiram seus fundos para outras organizações humanitárias em Gaza. A UNRWA-Gaza é parte do problema e não parte da solução. Há outras soluções. A UNRWA não pode fazer parte da solução em Gaza, nem agora, nem no futuro", completou.
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