Brasil cita 'caso plausível genocídio' pela 1ª vez na ONU e denuncia Israel
O chanceler brasileiro Mauro Vieira denunciou os ataques de Israel contra os organismos internacionais e criticou os fornecedores de armas, em um discurso nesta terça-feira (29) no Conselho de Segurança da ONU. Mas, pela primeira vez, citou abertamente o "caso plausível de um genocídio" em uma reunião do órgão mais importante do sistema internacional.
Em evento realizado para debater a crise no Oriente Médio, o chefe da diplomacia brasileira foi enfático no alerta sobre o desrespeito pelas regras internacionais e decisões de cortes.
Para Vieira, cabe ao Conselho da ONU e aos governos "garantir que a justiça seja aplicada, que investigações sejam realizadas, que responsabilidades sejam atribuídas e que penalidades sejam impostas para prevenir a impunidade e manter o Estado de Direito".
Diante de um caso plausível de genocídio e do ataque indiscriminado contra civis, a comunidade internacional não pode mais ser cúmplice fornecendo armas que possibilitem tais crimes
Mauro Vieira
"O mesmo vale para armas que prolongam a ocupação ilegal dos territórios palestinos. Não podemos permitir que o veto se torne um escudo para a impunidade", criticou.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia usado o termo em entrevistas coletivas e, em um discurso no Brics, o próprio chanceler denunciou o "genocídio". Essa é, porém, a primeira vez que o termo entra nos discursos oficiais do chefe da diplomacia brasileira em um evento oficial do Conselho de Segurança, ainda que não seja de forma categórica.
O governo brasileiro classificou a ofensiva do Hamas de 7 de outubro de 2023 contra Israel como "ataque terrorista". Mas alertou que a resposta "ultrapassou qualquer senso de proporção". "Mais bombas foram lançadas sobre Gaza do que em Dresden, Hamburgo e Londres durante a Segunda Guerra Mundial. Isso não é autodefesa; é punição coletiva e aniquilação", disse o chanceler.
"Todos testemunhamos violações flagrantes e rotineiras do direito humanitário internacional em Gaza", insistiu. Segundo ele, áreas civis são indiscriminada e desproporcionalmente alvejadas em operações militares, levando à destruição de infraestrutura crítica e ao sofrimento de inocentes.
"Fome e doenças se espalham à medida que o fornecimento de bens que suprem necessidades básicas é interrompido", disse.
"Até mesmo aqueles protegidos pelas Convenções de Genebra - trabalhadores humanitários, médicos e pessoal de saúde - estão sendo mortos. Jornalistas foram baleados e seus veículos de imprensa silenciados", insistiu.
O Brasil destacou ainda como a Corte Internacional de Justiça emitiu medidas provisórias ordenando que Israel interrompa ações que possam violar a Convenção sobre Genocídio e facilite a entrega de ajuda humanitária. Além disso, uma resolução de 2024 exige um cessar-fogo completo, a retirada das forças israelenses de áreas densamente povoadas em Gaza e o retorno seguro dos civis palestinos às suas casas.
"Essas não são recomendações; são obrigações vinculantes segundo o direito internacional. Quando diretrizes mandatórias dos mais altos órgãos jurídicos e políticos são ignoradas impunemente, isso sinaliza uma perigosa desintegração da governança global", alertou.
Críticas contra Israel
O discurso ocorreu horas depois de Israel decretar a Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) como uma "entidade terrorista".
"A expansão da guerra de Gaza para o Líbano revela um padrão familiar de desrespeito pela lei", disse o ministro. Segundo ele, os ataques contra a UNRWA e agora contra a UNIFIL (a operação de paz da ONU no Líbano) são uma rejeição flagrante do sistema multilateral e de tudo o que a Carta das Nações Unidas representa".
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberVieira lembrou que os ataques contra a UNIFIL não foram os primeiros e que, nos anos 90, mais de cem pessoas morreram em uma das bases. "Esta tragédia serve como uma lição crítica do que ocorre quando a comunidade internacional permite que tais violações fiquem impunes", disse.
"Quando falhamos em responsabilizar os perpetradores, pavimentamos o caminho para que a história se repita", alertou.
Por isso, disse o chanceler, o Brasil "condena, nos termos mais fortes, os recentes ataques deliberados contra o pessoal e a infraestrutura da missão de paz no Líbano". "O Brasil também condena a decisão do Knesset de aprovar ontem leis contra a UNRWA", afirmou.
Segundo ele, ao tentar desmantelar serviços essenciais para os palestinos, essas leis agravam o sofrimento de um povo já devastado e contrariam o pedido da Corte Internacional de Justiça para que Israel facilite o acesso à assistência humanitária em Gaza.
"Esforços para enfraquecer a UNRWA não são apenas ataques a uma instituição, mas à própria sobrevivência e dignidade do povo palestino. Atacar a UNRWA não eliminará o status de refugiado do povo palestino, nem a responsabilidade da comunidade internacional de proteger aqueles que precisam", disse.
"Devemos rejeitar essa lei pelo que ela realmente é - um precedente perigoso que enfraquece o multilateralismo e abre caminho para uma maior erosão da ordem global", defendeu.
Irã
Outro alerta do chanceler brasileiro foi direcionado ao comportamento de Israel. "Os recentes ataques ao Irã só reforçam o risco crescente de uma catástrofe regional", disse. "Estamos caminhando para um mundo onde as futuras gerações herdarão apenas um legado de conflitos e sofrimentos sem fim", disse.
"A guerra não trará paz ao Oriente Médio. A paz virá através de um compromisso decisivo com a diplomacia, fundamentado na justiça e no respeito pelo direito internacional", defendeu.
Chanceler defende proposta de Lula de reforma da Carta da ONU
Durante seu discurso, o chanceler ainda defendeu o apelo feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por uma revisão da Carta da ONU.
"É hora de dar os passos ousados necessários para tornar a paz não apenas uma aspiração, mas uma realidade para todos", disse. Segundo ele, "a ordem internacional do pós-guerra está desmoronando diante de nossos olhos".
Na visão do Brasil, os eventos que se desenrolam no Oriente Médio não são apenas mais um capítulo em um antigo conflito. "Eles refletem de forma clara uma crise mais profunda, onde o poder prevalece sobre o direito, e os princípios destinados a proteger a paz são ofuscados", afirmou.
"Como Lula enfatizou na abertura da 79ª sessão da Assembleia Geral, o mundo precisa de uma revisão abrangente da Carta das Nações Unidas", disse.
"Uma conferência de revisão da Carta pode parecer ambiciosa, mas reflete o espírito que fundou a ONU. O Artigo 109 deixa claro que nenhum sistema deve permanecer estático em um mundo em constante mudança", defendeu.
Críticas ao Conselho de Segurança
O chanceler ainda criticou a inação do Conselho de Segurança. "Sua incapacidade de agir de forma decisiva permitiu que atrocidades continuassem impunes, com populações inteiras pagando o preço. Isso não é mera retórica. Está refletido nos crimes cometidos contra civis em Gaza e no Líbano", disse.
Segundo ele, mais de 43.000 palestinos e 2.500 libaneses já morreram "devido às fraturas de uma ordem global que, cada vez mais, falha em cumprir suas promessas".
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