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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O bolsonarismo sempre esteve entre nós

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

17/10/2022 04h00

Quando o filósofo Rousseau escreveu sobre "O mito do bom selvagem", em que defendia a ideia de que as pessoas nascem boas e que a sociedade as corrompe, havia nesta sentença, além de um olhar colonialista sobre os povos originários, uma impressão errônea sobre a natureza humana. Acreditar que a nossa natureza parte da bondade e da vontade de fazer o bem ao outro passa, na verdade, por uma visão um tanto ingênua.

Nossa relação com outro sempre foi movida pelo ódio. O ódio, dentro de uma ótica psicanalista é vista na verdade como um modo de defesa em relação ao diferente. Não é à toa, que Freud, em algum momento, percebe que de tempos em tempos o sentimento de aniquilação do outro reaparece na forma de guerras e lutas que buscam a aniquilação do estrangeiro.

Neste sentido, o amor se torna um instrumento sentimental sofisticado e poderoso capaz de lidar com o outro. Portanto, embora seja assombroso pensar que o nosso sentimento primordial passe antes pelo ódio. É importante observar que o nosso esforço em busca de uma alteridade é antes de tudo, um esforço ético.

Assim, contrariando Rousseau, nossa luta enquanto pessoas éticas nunca foi a de lutar contra a corrupção de si diante da sociedade que se apresenta como corruptora. Nossa luta sempre foi para nos tornamos boas pessoas apesar da sociedade. Este movimento de alteridade talvez seja o movimento mais difícil. Porque a alteridade impõe como condição deixar de pensar apenas nos próprios interesses e compreender que uma sociedade sadia é aquela que não permite que o sofrimento alheio seja naturalizado.

Lembro, ainda na adolescência, de alguns poucos amigos que tinham atitudes preconceituosas, que cometiam bullying, que eram machistas e que eram homofóbicos. E nós normalizávamos estas atitudes. E agora percebo, passados tantos anos, que alguns desses mesmos amigos tornaram-se, em sua grande maioria, bolsonaristas. Por isso, não acho que o bolsonarismo chegou agora. Porque na verdade, ele sempre esteve lá. Incubado dentro das pessoas. Esperando o momento de se manifestar de maneiro mais escancarada.

Não esquecemos que origem de nossa nação traz como marcas fundantes a violência, o estupro, a aniquilação de povos originários e a escravidão. Portanto, mesmo que Bolsonaro não estivesse nascido, mesmo que ele não tivesse se tornado presidente, este tipo de conduta reacionária e fascista iria eclodir em algum momento na nossa história. O bolsonarismo, ou qualquer outro movimento reacionário iria surgir no Brasil nos próximos anos. Era só uma questão tempo.

Desse modo, o fascismo à brasileira se torna mais perverso porque não assume que é fascista. É um tipo de conduta que nega o óbvio, nega e subverte o discurso reacionário com a intenção de não parecer fascista. Este malabarismo retórico tem sortido um efeito trágico na sociedade brasileira.

Entretanto, reconhecer que o espírito bolsonarista sempre existiu no Brasil, não significa que ele deve prevalecer. As forças de reação ao fascismo e à ultradireita também têm-se sofisticado. Porque constatar que as coisas são assim, não significa que elas devem ser assim. Significa que, enquanto sociedade que se reconhece como reacionária, precisamos ir ao encontro de um país em que a alteridade não seja vista como de esquerda ou comunista, mas vista como uma condição ética que nos permite conviver com a diferença.