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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não há mais volta: o sono tranquilo dos racistas acabou

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

24/10/2022 04h00

Dois episódios de racismo nos últimos dias chamaram a atenção pela violência naturalizada por uma elite branca que ainda não compreendeu que o mundo não é mais o mesmo, e que o sono tranquilo dos racistas acabou.

O primeiro, ocorrido em Porto Alegre, quando o músico Seu Jorge sofreu ataques racistas num show após falar sobre ser contra a redução da maioridade penal e dos assassinatos recorrentes da população negra no Brasil. Seu Jorge ainda chegou a gravar um vídeo em que chamou o ocorrido de "grosseria racista".

Seu Jorge foi elegante e contundente no seu relato. A mim não me causa surpresa um episódio racista como este ocorrer na cidade de Porto Alegre. Vivi lá por quase trinta anos e sei que é uma cidade segregadora e racista.

O outro episódio aconteceu com humorista Eddy Jr. em um condomínio na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo. Em vídeo gravado pelo próprio artista, vemos uma sessão de xingamentos racistas proferidos por uma moradora branca que se recusou a entrar no mesmo elevador que Eddy.

As reações de apoio aos artistas vieram rapidamente via redes sociais, além de manifestações organizadas por coletivos e movimentos negros tanto em Porto Alegre, quanto em São Paulo. As manifestações foram marcadas por um sentimento de que não há mais como tolerar o racismo.

No caso de Porto Alegre, com um público majoritariamente branco-classe-média-moinhos-de-ventos (Moinhos de Vento é um bairro de concentração bolsonarista em Porto Alegre) a reação à fala politizada de Seu Jorge expôs justamente o que a ideologia fascista pensa. Isto é, enquanto o músico negro estiver ali divertindo o público branco com músicas para o seu "entretenimento", tudo bem. Mas basta colocar no repertório um discurso político que desagrade os ouvidos conservadores, para que a vaia reacionária e racista venha com força.

Ora, esse povo não acompanha a trajetória de Seu Jorge? Esqueceram que ele representou Marighella há pouco tempo no cinema? Que um homem negro chegar aonde ele chegou é porque há também nele uma consciência política e de raça? O público de Porto Alegre quis reduzir seu Jorge à "burguesinha e suquinho de maçã", mas acabou levando para casa um discurso antirracista e antibolsonarista.

Tanto o caso de Seu Jorge quanto o caso de Eddy Jr. nos revelam que o Brasil continua racista e que ainda estamos longe de viver num país com igualdade racial. Por outro lado, a reação aos episódios de racismo tem sido mais rápida e contundente, num movimento que também revela que episódios de racismos não são mais tolerados. Nos dois casos, o racismo primitivo e menos sofisticados aparecem como o resultado de um imaginário racista da sociedade brasileira, o que nos mostra que por mais que as estratégias racistas estejam se sofisticando, há também espaço para esse racismo mais direto grotesco.

Outro dado interessante nas manifestações contra o racismo foi a presença significativa de pessoas brancas. O que me parece bastante positivo e que reforça o quanto a luta antirracista é uma luta de todos. Não podemos mais aceitar que pessoas digam o que bem quiserem e achar que não serão punidas ou que não haverá reação.

As novas gerações de homens e mulheres negros tem muito mais informações e modos de organização que transformam toda a luta antirracista num movimento sem volta. As frases "racistas não passarão" e "fogo nos racistas" são um grito que unifica e propõe estratégias contra o preconceito, além de nos colocar sempre em estado de alerta. Sim, racistas não dormirão mais o seu sono tranquilo. Não há mais volta.