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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fundação Zumbi precisa ser reconstruída após destruição bolsonarista

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

07/11/2022 04h00

A Fundação Zumbi dos Palmares viveu sob ataques sistemáticos de um governo de ultradireita. Ao assumir a Fundação, Sérgio Camargo pôs em prática a ideologia fascista do governo Bolsonaro. Suas ações violentas causaram indignação e denúncias de assédio moral, além de denúncias ao Ministério Público e à ONU por violações dos direitos humanos e da população negra.

Ao Longo dos anos à frente da instituição, Sérgio Camargo promoveu um verdadeiro plano de destruição e de violências simbólicas como a tentativa de mudar o nome da Fundação Zumbi para "Fundação Princesa Isabel". A Censura às biografias de personalidades negras como a escritora Carolina Maria de Jesus e o poeta e abolicionista Luiz Gama, e os ataques ao Dia da Consciência Negra. Além de declarações nefastas ao afirmar que a escravidão foi benéfica para os negros

Camargo também protagonizou ações dignas de serem relacionadas ao filme "Fahrenheit 451", de François Truffaut, baseado no livro homônimo de Ray Bradbury. Na película, para quem não lembra, o protagonista, Montag, que é um bombeiro, queima livros considerados subversivos em praça pública. Isto é, obedece cegamente as ordens de um governo autoritário e que impede as pessoas de terem livros em casa. Difícil não associar às atitudes perpetradas pelo ex-presidente da Fundação Palmares, quando chegou a censurar uma série de livros por considerá-los "Marxistas" e de "esquerda".

Sérgio Camargo é, pode se assim dizer, um produto bem acabado da trajetória brasileira em relação ao sucateamento da pesquisa, do conhecimento e do desprezo pelos livros. Camargo representou a culminância de um projeto de destruição cultural, muito próximo de regimes autoritários. A queima de livros e a censura são o modus operandi de governos ditatoriais.

Um exemplo como esse nos faz refletir o quanto ideia e a implantação da representatividade de minorias em postos de poder é importante, mas também precisa vir acompanhada de reflexão sobre o impacto e responsabilidade dessas pessoas diante do cargo que ocupam, isto significa dizer que só a representatividade não basta. Camargo é um caso emblemático neste sentido. Reconstrurir todo o processo de destruição da Fundação Zumbi não será uma tarefa fácil para o Governo Lula.

Recentemente visitei a Fisk University, na cidade de Nashville, nos Estados Unidos, uma universidade para negros, fundada em 1873. Inaugurada apenas 11 anos após o fim da escravidão nos EUA. Certamente não podemos comparar as realidades de países tão diferentes, no entanto precisamos reconhecer que, em termos de valorização, reparação e de reconhecimento da cultura negra, os norte-americanos fizeram coisas importantes e, que, apesar de todos os problemas que o país enfrenta relacionados às questões raciais, conseguiram deixar um certo legado cultural às gerações da população negra.

Enquanto isso no Brasil, ainda se luta por questões básicas e imprescindíveis como as cotas raciais, por exemplo. Com o governo Lula, espera-se que a Fundação seja reconstruída e regresse ao seu posto de referência da cultura negra. Uma referência antirracista e militante.

Também não podemos esquecer que Sérgio Camargo foi exonerado este ano para concorrer a deputado Federal, mas não se elegeu. E o fato de não ter sido eleito também revela a mentalidade da ultradireita no Brasil, que se satisfaz tendo um fantoche para executar todos os desmandos racistas, mas parece que não querem que um homem negro seja eleito para legislar seus interesses. Este é o racismo à brasileira. Da ultradireita à esquerda, o racismo sempre passa por cima. E é por isso que precisamos fortalecer e criar outras instituições como a Fundação Zumbi dos Palmares.