Jeferson Tenório

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Opinião

Linguagem neutra não existe, mas a direita insiste em atacar essa ilusão

Que a língua portuguesa é machista, não há dúvidas. Sabemos que a marcação de gênero é predominantemente masculina e que atende a uma naturalização do masculino como universal.

Quando, por exemplo, dizemos a frase "todos se levantem" significa que todos devem se levantar independente do gênero. Ao contrário, quando usamos o pronome "todas", o que se sugere é que apenas pessoas identificadas com o gênero feminino se levantem. Expressões como "o homem foi à Lua", por exemplo, são usadas como sinônimo de humanidade, e assim por diante.

Há quem ache que essa discussão é uma grande bobagem, que língua não é machista e nem excludente. No entanto, com a emergência de grupos historicamente excluídos, que lutam, de forma legítima, por reconhecimento de suas identidades, o debate sobre o uso da língua se tornou necessário.

A linguagem binária é, por natureza, violenta porque não abre possibilidade de que outras formas de existir possam ser nomeadas. As mudanças profundas de estruturas sociais começam também pela linguagem. Já aprendemos, por exemplo, que termos como "judiação", "denegrir" ou "criado-mudo" são expressões ofensivas a judeus e negros.

Obviamente que a mera mudança de expressões não será suficiente para acabar com o preconceito e a discriminação, mas é um indício de cuidado, empatia e sensibilidade com a dor do outro.

No caso da chamada "linguagem neutra", temos uma ilusão no sentido gramatical por vários motivos. Primeiro porque não existe neutralidade na língua. Qualquer idioma carrega consigo marcas ideológicas. Segundo, porque esse fenômeno de marcação de gênero, embora já tenha recorrência no debate político, ainda não se constitui como linguagem, pois não há uma gramática própria, não há livros escritos em linguagem neutra.

E o mais importante: não há um uso regular e cotidiano da população de modo geral, justamente porque quem manda na língua é o povo, e não a gramática.

Assim, faz mais sentido entender a linguagem neutra como mais uma variação da língua que, em alguns contextos, se faz necessária e que atende a uma determinada demanda.

No entanto, a linguagem neutra tem servido de argumento para a direita e para a ultradireita atacarem minorias. Pois, ao invés de apresentarem propostas sérias para melhorar a vida das pessoas, preferem inventar um inimigo, no caso a linguagem neutra, para criar um clima de guerra.

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Assim como inventaram a ideologia de gênero para atacar as alas progressistas. Há políticos, inclusive, prometendo acabar com a linguagem neutra nas escolas, como se essa linguagem oferecesse algum risco à educação dos alunos. Realmente a ignorância dessa direita contemporânea não tem limites.

O fato é que a política perdeu o sentido de evitar a violência e se tornou a própria violência. Atacar minorias e todas as suas reivindicações, assim como criar inimigos ilusórios como a linguagem neutra e a ideologia de gênero, são estratégias que servem mais para agradar um público conservador do que de fato uma preocupação com o bem-estar da população.

A direita não está interessada no debate honesto, mas criar uma atmosfera de violência e agressão para quem luta por reconhecimento e respeito.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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