Jeferson Tenório

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Opinião

Projeto de lei 'anti-Oruam' é burro e estimula racismo contra rap e funk

Não é de hoje que o samba, o funk e o rap são associados à criminalidade. Desde que o Brasil é o Brasil, grande parte das formas de manifestações culturais negras foram alvos de perseguição.

O que todos esses ritmos têm em comum? Fazem parte de uma cultura negra, periférica e jovem. Isto é, estamos diante de mais uma herança de um país escravocrata: o ódio pela arte produzida e forjada nas vivências negras.

O funk e o rap têm sofrido uma série de perseguições nos últimos anos com alguns casos emblemáticos como as prisões do MC Poze e do DJ Rennan da Penha. Ou ainda a denúncia do então deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) contra os MCs Cabelinho e Manerinho. Em todos os casos, a acusação era a mesma: apologia ao crime e ao uso de drogas em suas músicas.

Neste mês, vereadores de São Paulo protocolaram um projeto de lei que proíbe a contratação direta ou indireta de shows em que artistas façam apologia ao crime e ao uso de drogas. No texto, não é citado diretamente o rapper Oruam, mas fica claro que o objetivo é proibir apresentações do artista em São Paulo. Não à toa, a iniciativa foi batizada como "PL anti-Oruam".

Os autores do projeto, entre eles, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil -SP), argumentam que a proposta busca garantir que eventos financiados pelo município sejam promovidos de forma responsável para "proteger crianças e adolescentes".

Pura hipocrisia. Antes de mais nada, é preciso dizer que a lei é burra e racista.

Burra porque não há como estabelecer critérios objetivos para decidir o que significa fazer apologia ao crime e ao uso de drogas em uma apresentação artística. Os autores da lei parecem ignorar a diferença básica entre uma elaboração estética e a vida real. O entendimento do eu lírico em uma composição passou longe!

Seguindo o critério dos autores do PL, haverá proibição para cantores sertanejos que fazem apologia a bebidas alcoólicas em suas músicas? Afinal, elas também são drogas - licitas, mas ainda são drogas.

A lei é racista porque tem como alvo, na verdade, artistas, negros e jovens da periferia.

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Se o projeto de fato for adiante, só irá reforçar ainda mais o preconceito contra artistas negros, contra o rap, contra toda uma cultura negra de resistência ea arte.

Vale aqui relembrar que, nesta semana, o rapper Major RD sofreu uma abordagem racista. Em um vídeo que circula na internet, é possível ver um policial justificando a abordagem dizendo que o artista tinha "marra" de bandido, que "é a tua cara, é o teu jeito de bandido que vocês têm".

Ao ser questionado pelo artista se ele estava sendo abordado por ser preto, o policial argumenta que é casado com uma "preta". Como se isso fosse argumento para não ser racista.

"O jeito de bandido" a que o policial se refere faz parte de uma mentalidade racista que estabelece um estereótipo sobre as vestimentas de uma determinada cultura negra e passa a agir de acordo com essa ideia estereotipada.

O mais grave disso tudo é que as abordagens policiais, se utilizando dessa mentalidade preconceituosa, estão longe de proteger cidadãos, pois ainda veem corpos negros como uma ameaça. Um inimigo a ser combatido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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