O direito à estupidez: como a extrema direita ganha espaço sem fazer força
Ler resumo da notícia
Donald Trump, em meio a uma guerra comercial com o mundo, assina um decreto para aumentar o fluxo de água nos chuveiros americanos. Bolsonaro balbucia, de maneira ridícula, palavras em inglês na avenida Paulista. Um deputado em Minas Gerais tenta censurar um livro que nunca leu.
O que todos esses personagens têm em comum: o absurdo e a simplicidade. Uma velha fórmula fascista de chegar no coração de pessoas comuns. Uma velha fórmula para chegar em trabalhadores que, por serem cotidianamente explorados, não têm tempo para discursos mais complexos e elaborados. Um meme, um vídeo de 30 segundos ou um stories valem muito mais que qualquer tratado sobre a ética, alteridade ou política.
A extrema direita sabe disso, não porque tenha estudo, mas porque percebe, na prática, que a estupidez deixou de ser uma característica negativa e passou, na verdade, a ser pré-requisito.
A celebração da ignorância é uma estratégia eficaz porque simplifica a vida. Acalma aqueles que foram humilhados e ofendidos. Tira do anonimato vozes que não seriam ouvidas. Encoraja os que não podem ou não querem compreender as dinâmicas sofisticadas da política.
O já famoso discurso de Bolsonaro na avenida Paulista, em que balbuciou algumas palavras em inglês, e que resultou em milhares de memes e deboches pela esquerda, foi visto como um grande êxito por seus apoiadores.
A extrema direita não tem medo de passar vergonha. O ridículo é uma estratégia que diverte, engaja e transforma "pessoas simples" em vencedores. A estupidez se populariza com mais rapidez, não porque a população é estupida, mas porque toca as pessoas de outra forma.
No caso específico de Bolsonaro, seu discurso pobre nos lembra que falar inglês, no Brasil, é um privilégio para poucos. Ao tomar a palavra e dizer que vai fazer uma "denúncia" para o mundo, mesmo não sabendo inglês, Bolsonaro, além de ser visto como corajoso, de alguma forma vinga todos aqueles que não tiveram acesso ao estudo de idiomas. Causa empatia por grande parte da população que foi excluída historicamente de um ensino de qualidade.
Certamente, anos e anos de uma escola precarizada inverteu a lógica de ascensão social pela educação. A promessa de que o conhecimento formal pode mudar a vida de pessoas perdeu espaço para a urgência cotidiana.
Não é mais a leitura e os livros que libertam e trazem estabilidade econômica, mas a visibilidade nas redes sociais com conteúdos simples, superficiais e instantâneos.
Ou seja, um caminho que serve muito mais a uma sociedade de consumo, por convocar um exército de consumidores, do que para uma responsabilidade coletiva social.
Quem tem medo do ridículo? Quem tem medo de ser estúpido? Quem tem medo de reconhecer a própria ignorância?
Certamente não são os movimentos progressistas que se levam a sério. E aqui não é um critica propriamente, mas uma constatação de que a complexidade, o conhecimento e a profundidade encontram barreiras diante de uma estupidez sem limites e sem precedentes.
88 comentários
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.