Ser e Estar: Caminhos entre a favela e o asfalto
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Tem palavras que parecem simples, mas carregam o mundo dentro. "Ser" e "estar" são dessas. A gente aprende logo cedo que "estar" é passageiro e "ser" é essência. Mas, na prática, principalmente nas favelas como Rocinha, Sol Nascente, Paraisópolis e tantas outras, esses dois verbos vivem se misturando, se confundindo, se desafiando. E é exatamente nesse jogo entre o que é e o que parece ser que mora a oportunidade de transformar realidades.
Na nossa rotina, a gente usa "ser e estar" como farol. Porque ser favela é mais do que morar nela. É respirar sua cultura, reconhecer sua potência, lutar com ela e por ela. E estar favela também não é pouca coisa. É se permitir ser atravessado por esse território, pela sua gente, suas dores e conquistas. Tem gente que tá aqui de passagem, mas leva um pedaço da quebrada pra vida toda. Tem gente que nunca pisou, mas se acha no direito de falar sobre. E tem quem esteja longe no CEP, mas perto no coração e nas ideias.
Essa reflexão vale pra quem vive na favela, pra quem vive fora e, principalmente, pros dois lados. Porque se a gente quer falar de desenvolvimento, seja social, econômico, cultural, educacional e até fundiário, a ponte precisa ser de mão dupla. A favela precisa criar laços com o asfalto, e o asfalto precisa aprender a estar na favela com verdade. Sem romantizar a pobreza, sem ufanismo, mas com respeito e disposição pra construir junto.
Por que isso importa? Porque a convivência transforma. A vivência ensina. E só com troca real a gente avança. Quando o morador da favela acessa oportunidades que antes estavam restritas ao "lado de lá", ele multiplica renda, segurança, educação. Mas o contrário também é verdadeiro: quando o asfalto se abre pra aprender com a inteligência coletiva das periferias, nasce inovação, nasce solução, nasce conexão com o que o Brasil é de verdade.
As favelas não são ilhas. São, muitas vezes, cidades informais dentro de outra cidade, cheias de saberes, histórias, contradições e talentos. Estar nesses territórios é oportunidade de se reeducar sobre o que é o Brasil. Quando marcas, instituições, universidades, empresas e pessoas aceitam estar aqui de verdade, não só com ações pontuais, mas com escuta e compromisso, tudo muda. E quando a gente da favela entende que ocupar espaços fora daqui é parte da missão, muda também.
A transformação não vai acontecer com muro, com medo, com distância. Vai acontecer com construção de laços firmes, com políticas públicas sérias, com investimentos conscientes, com presença — de corpo, de alma, de ideias. Não se trata de uma crença cega no poder da favela resolver tudo sozinha. Mas de uma certeza: quando se está junto de verdade, a mudança vem.
E é nisso que eu acredito. Que o "ser e estar" não é só sobre localização, é sobre intenção. E quando a favela e o asfalto se olham nos olhos, sem filtro, sem preconceito, com disposição pra somar, a cidade inteira ganha. Porque construir um país mais justo, mais próspero, mais plural exige mais do que projetos. Exige presença. Exige ser. E exige estar.
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