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Josias de Souza

Exemplo de censor, Toffoli agora derruba censura

Colunista do UOL

09/01/2020 21h20

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Tomado pela frequência com que troca de opinião, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, revela-se um magistrado firme como gelatina. É a favor de tudo e absolutamente contra qualquer outra coisa. No vaivém, às vezes progride. No ano passado, comportou-se como deus, criando a censura em causa própria. Agora, derrubou a censura imposta por um desembargador do Rio de Janeiro a um filme estrelado por Jesus Cristo gay.

Em abril de 2019, valendo-se de um inquérito secreto aberto por ele mesmo, Toffoli pediu providências ao relator que ele próprio indicou —Alexandre de Moraes—, contra uma reportagem em que ele mesmo figurava como protagonista. Acionado, Moraes mandou a revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista retirarem do ar uma notícia que pedia explicações de Toffoli, não censura.

Nesta quinta-feira, um novo Toffoli emergiu em Brasília. De plantão no recesso do Judiciário, o ministro revogou, a pedido da Netflix, a censura que um desembargador do Rio de Janeiro havia imposto na véspera ao agora badalado especial de Natal dos humoristas do Porta dos Fundos. Toffoli evoluiu da condição de mau exemplo para a posição de protetor do texto constitucional.

A reportagem que despertou os instintos de censor do presidente da Suprema Corte baseara-se num documento. Tratava-se de uma resposta de Marcelo Odebrecht à Polícia Federal. Instado a revelar o nome que se esconde atrás do pseudônimo "amigo do amigo do meu pai", mencionado em e-mail de 13 de julho de 2007, apreendido em seu computador, Odebrecht disse tratar-se de Dias Toffoli. Na época, Toffoli era advogado-geral da União do governo Lula.

Pressionado, Alexandre de Moraes revogou a censura. Antes, Toffoli deu entrevista para justificar o injustificável. Disse coisas assim: "Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim".

De fato, era tudo muito simples. Simples como o ABC. Só que na contramão do que alegava Toffoli. A, Marcelo Odebrecht foi instado pela Polícia Federal a informar quem é o "amigo do amigo do meu pai". B, o delator disse que o nome escondido atrás do pseudônimo é o de Toffoli. C, a imprensa foi censurada por divulgar os fatos. A posição de Toffoli, por insustentável, teve de ser revista.

No caso da censura ao filme do Porta dos Fundos, requerida por uma entidade católica, Toffoli anotou: "Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2.000 anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros".

Nas palavras do novo Toffoli, a liberdade de expressão é um direito pleno e universal, previsto no artigo 5º da Constituição. Louve-se a flexibilidade conceitual. Há nove meses, Toffoli tropeçava na dificuldade de se expressar. Hoje, defende a liberdade de expressão. Alvíssaras!