Na fritura de Moro, Bolsonaro se une a amigo dos filhos e secretário do PT
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Jair Bolsonaro esforçou-se para terceirizar a secretários de Segurança dos Estados a articulação que devolveu Sergio Moro à frigideira. Fracassou. As digitais do Planalto estão impressas na manobra que ressuscitou a ideia de desmembrar a pasta da Justiça, retirando de Moro a área da Segurança Pública. Atento à movimentação, o ex-juiz da Lava Jato nunca esteve tão próximo da porta de saída do governo.
O epicentro da ação anti-Moro foi um gabinete do Planalto. Com a anuência do chefe, o ministro palaciano Jorge Oliveira (Secretário-Geral da Presidência) negociou o encontro dos secretários estaduais com Bolsonaro, sem a presença de Moro. Providenciou para que o teatro fosse ensaiado previamente numa conversa do presidente com o secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Gustavo Torres.
Delegado federal de carreira, Anderson Torres é amigo de Flávio e Eduardo Bolsonaro, os filhos Zero Um e Zero Três do presidente da República. Utilizou como barriga de aluguel da proposta de cisão da pasta de Moro o Consesp, Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública. Sob o patrocínio do governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB), o grupo reuniu-se na Capital, na quarta-feira.
O desejo de Bolsonaro de desgastar Moro é tão intenso que ele deu de ombros para o fato de que o Consesp é presidido por Maurício Teles Barbosa, um personagem vinculado ao petismo. Trata-se de outro delegado federal. Comanda a Secretaria de Segurança do governo petista da Bahia.
Nomeado pelo ex-governador Jaques Wagner, amigo de Lula, Maurício Barbosa foi mantido no posto pelo atual governador baiano, o também petista Rui Costa. Na gestão de Dilma Rousseff, esteve na bica de ser nomeado secretário Nacional de Segurança da pasta da Justiça, comandada à época por José Eduardo Cardozo.
Até bem pouco Bolsonaro tratava aliados de Lula na base do pontapé. Em julho do ano passado, foi flagrado despejando nos ouvidos do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) um cochicho que escancarou sua visão sobre o pedaço do mapa do Nordeste que é governado por petistas e aliados do PT.
"Desses governadores de Paraíba, o pior é o do Maranhão", balbuciou Bolsonaro, num lapso captado pelas câmeras da empresa oficial de comunicação, durante café da manhã oferecido a correspondentes estrangeiros. Referia-se ao governador maranhense Flávio Dino (PCdoB).
Comum no Rio de Janeiro, onde todo nordestino é um "paraíba", a metonímia pingou dos lábios de Bolsonaro acompanhada de um complemento: "Tem que ter nada pra esse cara". Foi contra esse pano de fundo que o capitão deu cartaz ao secretário petista. Não bastasse o vínculo com os arquirrivais, Maurício Barbosa defende proposta que provoca arrepios no inquilino do Planalto: a legalização da maconha.
Na fase de ensaio, Anderson Torres, o amigo do Zero Um e do Zero Três, combinou com o ministro Jorge Oliveira e com o próprio Bolsonaro, que os secretários de Defesa formalizariam um pedido de recriação da pasta da Segurança Pública, nos moldes em que funcionava sob Michel Temer.
Dos 27 secretários estaduais de segurança, 20 estavam em Brasília na quarta-feira. Muitos estão irritados com o fato de Sergio Moro se autoatribuir méritos pela queda de cerca de 22% no número de homicídios em todo país. Avaliam que o feito é dos Estados, não de Brasília.
A despeito do mal-estar, a cisão da pasta de Moro não estava entre as prioridades da reunião do Consesp. Os secretários reivindicavam verbas federais, bloqueio de celulares nos presídios e isenção de IPI na aquisição de equipamentos para as polícias. O que não impediu que o documento urdido no Planalto fosse providenciado.
Redigido em papel timbrado do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública, o texto ocupa duas folhas. Trata apenas da recriação da pasta da Segurança Pública. Nem sinal das outras reivindicações. Traz a assinatura do presidente da entidade, Maurício Barbosa, o secretário da Bahia. Estampa também as rubricas de outros 12 secretários. Ou seja: de duas dezenas de presentes, apenas 13 firmaram o documento.
Datado de quarta-feira (22/01), o texto foi formalmente protocolado no Planalto. Em condições normais, deveria ter sido entregue na Casa Civil. Mas quem assina o protocolo de recebimento é o ministro Jorge Oliveira. Curiosamente, ele imprimiu sobre sua assinatura um carimbo que usava na função que ocupava antes de ser nomeado ministro: subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
Quem lê o documento fica com a impressão de que Sergio Moro trata a segurança com descaso: "O colégio manifesta o entendimento de que a criação de uma pasta dedicada exclusivamente à Segurança Pública revela-se medida de grande acerto, pois dará ao tema a importância que merece, colocando-o ao lado de outros temas igualmente importantes, como a saúde e educação."
O texto enaltece realizações da gestão de Michel Temer, quando Justiça e segurança eram pastas separadas: "Experiências recentes mostraram que quando a segurança pública recebeu a atenção devida nas mais elevadas instâncias políticas, resultados estruturantes foram alcançados, a exemplo da criação de uma política e um plano nacional de segurança pública, ou mesmo com a criação de Sistema Único de Segurança Pública, com suas formas de financiamento".
Nesta quinta-feira (23/01), antes de embarcar para uma viagem à Índia. Bolsonaro repetiu o que dissera na reunião da véspera, transmitida pelas redes sociais: cogita a sério recriar a pasta da Segurança. Fez dois acréscimos: 1) Confirmando-se a mudança, Moro ficará com o Ministério da Justiça, sem a Polícia Federal. 2) Sabe que o ministro será "contra" o desmembramento.
— Atualização feita às 10h03 desta sexta-feira (24/01): Na India, Bolsonaro voltou a falar sobre a situação de Sergio Moro. Depois de submeter seu ministro mais popular a uma humilhação pública, o capitão declarou que a chance de desmembrar a pasta de Moro "é zero". Mas tratou de esclarecer que pode mudar de ideia a qualquer momento. "Não sei o amanhã, porque na política tudo muda." Ou seja, o fogo continua aceso.
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