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Josias de Souza

Coronavírus põe Bolsonaro na contramão do país

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/03/2020 04h41

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Jair Bolsonaro só costuma se preocupar com o julgamento do próprio espelho ou da sua bolha nas redes sociais —que muitos suspeitam ser a mesma coisa. O espelho e os devotos virtuais têm sempre uma atenuante e uma justificativa para qualquer disparate. Na crise do coronavírus, porém, o presidente flerta com o suicídio político, indica o Datafolha.

Bolsonaro já se referiu à pandemia como "uma pequena crise". Disse enxergar "muito mais fantasia" do que fatos na encrenca que produz cadáveres e recessão em escala planetária. Insinuou que a "grande mídia" potencializa a doença para provocar "pânico" e "histeria".

Cotejando-se os comentários de Bolsonaro com a opinião da maioria dos brasileiros, o atual inquilino do Planalto ganha a incômoda aparência de um anti-presidente. Ele está na contramão do país que deveria liderar. Para 88% dos entrevistados do Datafolha, o Brasil está diante de um problema sério.

Neste sábado, Bolsonaro chamou o governador tucano João Doria de "lunático" por ter decretado quarentena por 15 dias no Estado de São Paulo. A pesquisa revela que 73% dos brasileiros aprovam o isolamento forçado em casa.

O presidente já havia torpedeado Doria e outros governadores por ordenar o fechamento de restaurantes e lojas comerciais —medida que, em São Paulo, foi estendida aos shoppings. De acordo com a pesquisa, a suspensão das atividades do comércio é apoiada por uma maioria (67%), que se divide entre a defesa do fechamento integral (46%) ou parcial (21%).

Há um apoio maciço a medidas restritivas. Coisas como a suspensão de aulas (92%), a proibição de viagens internacionais (94%), a interrupção dos campeonatos de futebol (91%) e até das cerimônias religiosas (82%).

Auxiliares de Bolsonaro —civis e militares— já tentaram convencê-lo a interromper o comportamento de alto risco, com tendência à auto-desmoralização. Mas o presidente dá de ombros. Chegou mesmo a convocar apoiadores às ruas num instante em que o Ministério da Saúde desaconselhava aglomerações.

Cercado por ministros e auxiliares infectados, Bolsonaro escapuliu de um monitoramento médico para cumprimentar e posar para selfies ao lado de apoiadores, na quina do meio-fio.

Até Donald Trump, ídolo do capitão, já tomou jeito. Depois de passar semanas desdenhando do "vírus chinês", o presidente dos Estados Unidos deu uma guinada no seu discurso. E decretou emergência nacional no país. Com atraso e a contragosto, Bolsonaro já decretou a calamidade pública. Mas não conseguiu impor uma quarentena à sua língua.

O suicídio, mesmo em sua modalidade política, é coisa íntima. Difícil avisar a um personagem como Bolsonaro que seu comportamento é suicida. Ele costuma desautorizar com rispidez quem tenta se meter na sua vida —ou, no caso específico— no seu autoextermínio.

Na sexta-feira, o capitão disse que não está preocupado com os panelaços que soam nas janelas há cinco dias. O Datafolha indica que talvez devesse abrir os olhos e, sobretudo, os ouvidos. O coronavírus pode transformar a perda de apoio do presidente junto à classe média num fenômeno hemorrágico.