Bolsonaro pôs a língua na coleira por um instante
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O embate com o Supremo Tribunal Federal faria bem a Jair Bolsonaro se ele seguisse uma linha esboçada em postagens que borrifou na noite desta terça-feira (16) nas redes sociais. Em 20 dias, o capitão evoluiu de um linguajar autoritário —"Acabou, porra"— para um palavreado civilizado —"Tomarei todas as medidas legais." O diabo é que todos sabem que o Bolsonaro real é aquele do palavrão dito no improviso do cercadinho do Alvorada, não este do texto domesticado pela assessoria.
O Bolsonaro genuíno superestima seu poder de mudar o Supremo no grito. O presidente do timbre terceirizado subestima o seu poder de mudar a si mesmo. Perdido em algum lugar entre a bravata e a realidade, o inquilino do Planalto sofre algo muito parecido com um cerco judicial. Precisa definir rapidamente um rumo. Sob pena de ser compelido a mudar não por enxergar a luz, mas por sentir o calor das investigações.
Em 26 de maio, a Polícia Federal varejou 29 endereços de bolsonaristas no âmbito do inquérito das fake news. Quebraram-se os sigilos bancários de empresários devotos do "mito" com data retroativa a julho do ano eleitoral de 2018. Na manhã seguinte, Bolsonaro derrapou: "Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações."
O orador capotou ao engatar a segunda marcha: "Ontem foi o último dia. Eu peço a Deus que ilumine as poucas pessoas que ousam se julgar melhor e mais poderosas do que os outros, que se coloquem no seu devido lugar..." Bolsonaro referia-se ao ministro Alexandre de Moraes, a quem enxerga não como magistrado, mas como inimigo.
Nesta terça-feira, o mesmo Moraes determinou aos rapazes da PF que batessem em 21 portas de bolsonaristas —algumas delas já visitadas na operação anterior. Dessa vez, as ações policiais ocorreram no âmbito do inquérito sobre manifestações antidemocráticas. Romperam-se os sigilos bancários de 11 parlamentares apologistas de Bolsonaro.
O linguajar de Bolsonaro não foi a única coisa que mudou. Houve outra mudança notável entre uma operação e outra. Na batida policial do mês passado, o procurador-geral da República Augusto Aras manifestara-se contra. Foi ignorado por Alexandre de Moraes. Na ação desta terça, Moraes expediu os mandados judiciais a pedido da Procuradoria.
No primeiro caso, em que se investiga a industrialização de notícias falsas e a destilação de ódio contra a Suprema Corte, o inquérito nasceu torto. Foi aberto no Supremo, pelo Supremo e para o Supremo. Coisa sigilosa, trançada à revelia do Ministério Público Federal, a quem cabe exercer o monopólio legal da acusação. No segundo caso, relacionado às manifestações antidemocráticas, coube ao procurador-geral requisitar a abertura do inquérito. Tudo dentro do manual.
No arroubo do mês passado, Bolsonaro queixara-se da decisão monocrática (individual) de Moraes. Soou como se insinuasse que o ministro se move impulsionado por interesses extra-judiciais. "...Não podemos falar em democracia sem um Judiciário independente, sem um Legislativo também independente, para que possam tomar decisões, não monocraticamente por vezes, mas as questões que interessam ao povo como um todo, que tomem, mas de modo que seja ouvido o colegiado."
Nesta quarta-feira, Bolsonaro ouvirá a voz do colegiado. O plenário do Supremo concluirá o julgamento que manterá em pé o inquérito das fake news. Confirmando-se o aval, as decisões tomadas por Alexandre de Moraes no âmbito do processo ganharão o selo do colegiado. Eventuais morteiros de Bolsonaro acertarão o Supremo, não o ministro.
De resto, o pedaço do bolsonarismo que percorre as redes sociais e as ruas à procura de encrenca tende a se frustrar com a promessa do "mito" de adotar "todas as medidas legais" para frear a Suprema Corte. Bolsonaro não pode mobilizar o aparato estatal para produzir petições judiciais em defesa de pessoas que não têm vínculo com o estado. Os encrencados pagam —ou deveriam pagar— do próprio bolso os honorários dos seus advogados.
Bolsonaro cogitava enfiar-se sob os cobertores sem comentar o novo sobrevoo da PF sobre o bolsonarismo. Mas não resistiu às cobranças que lhe chegaram pelas redes antissociais. A certa altura, o presidente —ou seu ghostwriter— anotou: "Luto para fazer a minha parte, mas não posso assistir calado enquanto direitos são violados e ideias são perseguidas." Faltou definir "minha parte".
Um presidente que transforma o Ministério da Saúde em unidade militar depois de expurgar dois ministros em plena pandemia, que estimula apoiadores a invadirem hospitais, que silencia diante de apologistas que simulam o bombardeio do Supremo com fogos, que mantém um olavista no comando da Educação, que entrega ministério, banco público e fundo educacional ao centrão... um presidente assim não faz adequadamente a sua parte.
Ficou claro que, além de pôr a língua na coleira, Bolsonaro precisa colocar os pés no chão. Na sequência, basta que o presidente comece a presidir, fechando a indústria do ódio e a fábrica de crises.
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