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Josias de Souza

Trump e Biden travaram briga de pátio de colégio

O primeiro debate presidencial entre Trump e Biden foi marcado por troca de acusações e bate-boca - Jim Watson/Saul Loeb/Montagem/AFP
O primeiro debate presidencial entre Trump e Biden foi marcado por troca de acusações e bate-boca Imagem: Jim Watson/Saul Loeb/Montagem/AFP

Colunista do UOL

30/09/2020 03h19

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Não foi propriamente um debate. Donald Trump e Joe Biden travaram uma briga de pátio de colégio. Ofenderam-se como garotos. Brandiram argumentos para provar que consideram-se mentirosos, levianos e incompetentes. Indignos, portanto, de comandar a maior economia do planeta. Ofereceram aos eleitores dos Estados Unidos um espetáculo deprimente —uma hora e meia de desqualificação.

É improvável que o evento resulte em virada de votos. Tende a consolidar posições. Nessa hipótese, será menos ruim para Biden, que aparece nas pesquisas à frente de Trump. Os candidatos não ofereceram aos cerca de 10% eleitores indecisos razões para descer do muro. Muitos podem concluir que, na briga entre Trump e Biden, o melhor é apostar na briga, desfrutando do privilégio de viver numa democracia em que o voto não é obrigatório.

Trump foi à contenda na defensiva. Além do gerenciamento errático da pandemia, que matou mais de 205 mil pessoas nos Estados Unidos, ele frequentou o noticiário dos últimos dias como um sonegador de impostos. Biden tentou tirar proveito. Mas não teve competência. Foi vencido pela teatralidade histriônica de Trump, que levou às fronteiras do paroxismo as interrupções e as provocações.

O jornalista Chris Wallace, moderador do encontro, teve dificuldades para domar Trump. E Biden, podendo aproveitar a estratégia do adversário para firmar-se como alternativa ponderada, perdeu as estribeiras. Desestruturou-se ao ouvir acusações de Trump sobre negócios da família Biden em Moscou —coisa de R$ 3,5 milhões— e transações ucranianas de um filho do adversário.

Abespinhado, Biden mandou Trump "calar a boca". Chamou-o de "mentiroso" e "palhaço." Ofereceu material para que o rival faça nos próximos, nas redes sociais, uma pose de vítima de um destemperado.

Ambos capricharam nos estereótipos. Biden grudou em Trump a pecha de "racista", cultor da supremacia branca. Foi tachado pelo adversário de esquerdista radical, que trama implantar o socialismo nos Estados Unidos. Acusado de estimular a violência, Trump insinuou que o rival é negligente com a aplicação da lei e da ordem.

O debate por vezes lembrou a polarização brasileira: Trump se disse a favor de religar as fornalhas da economia. Biden esgrimiu o discurso da prioridade à saúde. Trump desdenhou da máscara e insinuou que a vacina pode chegar antes da eleição de novembro. Biden enalteceu a proteção e, aferrado ao realismo científico, disse não antever vacinações em massa antes de meados de 2021. Trump ameaçou contestar o resultado da eleição se for derrotado. Biden afirmou que confia no processo eleitoral.

A certa altura, o tiroteio ricocheteou no Brasil. Discutia-se a encrenca ambiental. Biden disse que a floresta tropical brasileira está sendo destruída. Acenou com a hipótese de oferecer US$ 20 bilhões ao governo brasileiro para auxiliar na preservação da Amazônia, sob pena de impor retaliações. Significa dizer que, dependendo do resultado da sucessão americana, Jair Bolsonaro será intimado pela conjuntura a informar se deseja manter relações carnais apenas com Trump ou também com os Estados Unidos.

Haverá mais dois debates antes da eleição. Mantida a desqualificação do primeiro encontro, os candidatos correrão um risco semelhante ao de dois gambás que se engalfinham. Não se sabe quem vai prevalecer. Mas já se pode afirmar que, nesse tipo de confusão, mesmo ganhando o sujeito sai fedendo.