Topo

Josias de Souza

Viagem de Doria a Miami foi erro político primário

João Doria durante embarque para Miami (Foto: Montagem/Coluna Erlan Bastos) - Reprodução / Internet
João Doria durante embarque para Miami (Foto: Montagem/Coluna Erlan Bastos) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

24/12/2020 04h17

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

João Doria trancou o estado de São Paulo em casa e voou para Miami. Ao refugiar-se no estrangeiro com sua mulher horas depois de impor a volta do isolamento dos paulistas à draconiana fase vermelha, o governador não pisou apenas no tomate. Ele estraçalhou o tomateiro.

Mal aterrissou nos Estados Unidos, Doria correu às redes sociais para anunciar que retornaria a São Paulo, cancelando uma folga que duraria dez dias. Utilizou como pretexto para a volta relâmpago a descoberta de que o coronavírus invadiu a corrente sanguínea do vice-governador Rodrigo Garcia. Mas o estrago político estava consolidado. Não será revertido facilmente.

Não é que o governador forneceu munição aos inimigos bolsonaristas. A questão é que, ao fugir do campo de batalha num instante em que o vírus avança, Doria comportou-se como um general que abandona sua tropa.

Mal comparando, o comportamento de Doria lembrou uma passagem de 2013. O prefeito petista Fernando Haddad e o governador tucano Geraldo Alckmin subiram as tarifas dos transportes públicos e voaram para um compromisso em Paris. A dupla se deixou filmar cantando num evento o célebre "Trem das Onze".

Os versos de Adoniran Barbosa nunca soaram tão proféticos: "Não posso ficar nem mais um minuto com você [...]. Tenho minha casa para olhar". Enquanto perdiam o trem em Paris, as autoridades negligenciavam seu serviço em São Paulo, onde a célebre jornada de 2013 dava seus primeiros passos.

"Trabalhei ininterruptamente ao longo de 2020, sacrificando o convívio familiar, especialmente com a Bia, minha esposa", escreveu Doria nas redes, abstendo-se de informar que sua licença seria usufruída em Miami. "Retorno ainda hoje para São Paulo", anotou o turista insuspeitado depois que sua aventura viralizou (com trocadilho, por favor).

Entre a ida e o retorno de Doria, os brasileiros foram submetidos a uma entrevista constrangedora. Nela, prepostos do governador disseram coisas definitivas sobre a CoronaVac —a vacina atingiu "o limiar da eficácia"— sem definir muito bem as coisas —o fabricante chinês pediu mais 15 dias para reanalisar as conclusões do estudo clínico de fase três, de modo a "uniformizar" as conclusões do Butantan com os dados de "outros países em que essa vacina vem sendo usada."

Na semana passada, Doria havia assegurado que o pedido de registro da CoronaVac seria protocolado nesta véspera de Natal. Não apenas na Anvisa, mas também na agência de vigilância sanitária da China.

Percebeu-se que, ao adiantar o relógio, marcando para 25 de janeiro um hipotético início de vacinação em São Paulo, Doria meteu-se numa corrida antes de controlar todas as variáveis. Começou a correr sem dispor dos dados que lhe permitiriam, como prometido, ocorrer. Instilou dúvidas numa conjuntura que pede certezas.

Nesse contexto, o bate e volta até Miami foi um erro político primário. Um governador que tem a pretensão de disputar a Presidência da República precisa saber que o vento sempre sopra contra o mau timoneiro.