Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
À espera de vacina, Brasil ganha disputa eleitoral
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Num instante em que faltam ao Brasil vacinas, empregos e serenidade, o brasileiro foi brindado com três coisas de que não necessita na pandemia. Ganhou a teatralidade, o oportunismo e a mediocridade de uma campanha eleitoral extemporânea. Lula transformou numa espécie de comício a primeira manifestação pública depois da anulação de suas sentenças. Escolhido como alvo, Bolsonaro mordeu gostosamente a isca.
"Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde", disse Lula, como que convidando Bolsonaro para o ringue. "Tome vacina porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você do Covid." E Bolsonaro, depois de participar de solenidade em que, usando máscara, sancionou projetos que facilitam a compra de vacinas, declarou que as críticas de Lula não se justificam. Disse que seu rival "inicia uma campanha" que se resume à "crítica", "mentira" e "desinformação".
Lula fez pose de "vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história"— festejou uma hipotética inocência. Tratou como absolvição um despacho em que o relator da Lava Jato Edson Fachin transferiu as suas ações penais por corrupção e lavagem de dinheiro da 13ª Vara de Curitiba para a Justiça Federal de Brasília, que terá de refazer os julgamentos.
Bolsonaro, com a imagem já bem rachadinha, interrompe entrevista quando lhe perguntam sobre a mansão de R$ 6 milhões que o filho Zero Um acaba de comprar. Ameaça "quebrar a cara" de repórter que ousa indagar de onde vieram os R$ 89 mil que o amigo e operador Fabrício Queiroz e a mulher dele depositaram na conta da primeira-dama Michelle. Mas não deixa de cutucar rival.
"Imagina a pandemia com o Lula presidente da República", provocou Bolsonaro. "Se roubaram —e muito!— alguns governadores e alguns prefeitos com esse recurso, imagina se o PT estivesse no governo!"
Lula dividiu sua retórica em duas partes. Numa, tratou do seu futuro eleitoral. Noutra, cuidou do seu passado criminal. No pedaço do discurso reservado à política eleitoral, Lula ofereceu-se ao eleitorado como alternativa contra o desprezo de Bolsonaro pela ciência. Na parte em que festejou a anulação de suas sentenças, Lula falou do seu passado limpinho como se o mensalão e o petrolão não existissem.
Na cerimônia em que assinou os projetos que se destinam à aquisição de vacinas, Bolsonaro, um presidente sem comprovação científica, voltou a defender o tratamento precoce com remédios sem nenhuma serventia contra a Covid —entre eles a cloroquina e o vermífugo Anitta.
Se a Justiça não restabelecer suas condenações, Lula tem todo o direito de disputar um terceiro mandato. Bolsonaro também tem todo o direito de reivindicar a reeleição, se tiver desempenho para isso. Mas o brasileiro, às voltas com mais de duas mil mortes diárias por Covid, a caminho da marca de 300 mil cadáveres na pandemia, merece uma conjuntura política mais respeitosa e sofisticada.
Lula e Bolsonaro falam para suas bolhas. Mas fora desses nichos há um brasileiro de saco cheio, que talvez prefira se concentrar na pandemia em vez de dar atenção a candidatos que travam no meio dos cadáveres uma briga entre sujo e mal asseado, uma disputa entre o negacionismo científico e o negacionismo da imoralidade.
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