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Josias de Souza

REPORTAGEM

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STF dará razão a governadores na ação de Bolsonaro contra toque de recolher

Colunista do UOL

20/03/2021 04h15

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Causou perplexidade no Supremo Tribunal Federal a mais recente ação judicial movida por Jair Bolsonaro. Num instante em que o número de brasileiros mortos por Covid se aproxima dos 300 mil, o presidente pediu à Corte que suspenda o toque de recolher noturno e medidas restritivas adotadas por Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul.

"Não sei o que deu na cabeça do Bolsonaro para entrar com essa ação", declarou à coluna o ministro Marco Aurélio Mello. Ouvidas sob a condição do anonimato, outras duas togas expressaram o mesmo espanto.

Deve-se o assombro dos magistrados ao fato de que o Supremo já decidiu no ano passado que saúde pública é de responsabilidade dos três entes da federação —União, estados e municípios. "É um condomínio", disse Marco Aurélio. "Cabe à União a coordenação nacional, sem prejuízo da adoção de providências no âmbito dos estados e municípios."

Para Marco Aurélio, "quem receber esta ação no Supremo pode simplesmente negar seguimento", sem a necessidade de novo julgamento. Ele foi ecoado por um dos colegas que falaram sob reserva: "Já existe decisão da Corte reconhecendo que estados e municípios também têm competência para agir no combate à pandemia. Algo que não exime o presidente de suas responsabilidades. Não creio que seja necessário julgar isso novamente."

O terceiro ministro ouvido pela coluna farejou um aroma de "cilada" na ação em que Bolsonaro contesta a constitucionalidade dos decretos dos governadores. "O presidente vem difundindo a falsidade segundo a qual o Supremo o proibiu de agir contra a Covid. Ele sabe que isso não é verdade. Sabe também que sua ação não deve prosperar. Interessa manter acesa a falácia, não obter êxito jurídico."

Marco Aurélio não exclui a hipótese de motivação política. "O presidente quer atribuir responsabilidade ao tribunal, como ele vem fazendo. Mas o que ele tem que fazer de verdade é coordenar os trabalhos de enfrentamento da crise sanitária. Precisa assumir a liderança. Mas o presidente, ao invés de estabelecer a coordenação nacional da crise bate de frente com os governadores. Qual é o objetivo? O presidente parece gostar de crise."

A pandemia transformou o governo Bolsonaro em colecionador de derrotas na Suprema Corte. O ministro Luís Roberto Barroso proibiu o Planalto de lançar uma campanha publicitária contra medidas de isolamento social. O lema era "O Brasil não pode parar." Barroso obrigou o governo a ampliar o Plano de Barreiras Sanitárias, para a proteção de comunidades indígenas vulneráveis.

Marco Aurélio decidiu que governadores e prefeitos têm poderes para restringir a locomoção em seus territórios. Podem baixar medidas de validade temporária sobre isolamento. Alexandre de Moraes também decidiu que estados e municípios podem decretar medidas como quarentena, fechamento de escolas e restrições de comércio. As decisões de ambos foram referendadas depois pelo plenário da Corte. Na contramão da vontade de Bolsonaro, o colegiado também consagrou o entendimento de que a vacinação é obrigatória.

Noutra decisão, Moraes obrigou o Ministério da Saúde a restabelecer a divulgação das estatísticas da pandemia, proibindo o governo de camuflar as mortes. Ricardo Lewandowiski ordenou à pasta chefiada pelo general Eduardo Pazuello que levasse à vitrine um plano de vacinação. Rosa Weber mandou restabelecer o pagamento de leitos de UTI nos estados. O Supremo age apenas quando é provocado. A profusão de veredictos sobre a pandemia é reveladora da atmosfera conflituosa que o negacionismo de Bolsonaro impôs à crise sanitária.