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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Sob Bolsonaro, o Brasil tornou-se uma surubocracia anarco-intervencionista

Mateus Bonomi/Agif/Estadão Conteúdo
Imagem: Mateus Bonomi/Agif/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

02/04/2021 04h58

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Patrono do pensamento econômico liberal, o economista Roberto Campos (1917-2001) dizia que "não temos uma democracia no Brasil. Temos uma surubocracia anarco-sindicalista." Vivo, Campos concluiria que a democracia brasileira continua sendo um regime por fazer. A diferença é que, sob Bolsonaro, o Brasil passou a ter uma surubocracia anarco-intervencionista.

Bolsonaro abriu a semana fabricando uma crise com as Forças Armadas. E chega à Sexta-Feira Santa colhendo os trovões e os raios que o partam que havia semeado no Banco do Brasil. Presidente do Conselho de Administração da casa bancária, Hélio Magalhães renunciou ao cargo. Saiu atirando para o alto. Mirou no Planalto.

Na segunda-feira, quando o "mercado" puder se pronunciar sobre os rolos do feriadão, as ações do BB se depreciarão. Como já foram desvalorizados os papeis da Petrobras quando Bolsonaro interveio para colocar um general no comando. Ou os da Eletrobras, quando o capitão consolidou-se como estorvo à privatização, levando o presidente da companhia à renúncia.

Bolsonaro conseguiu transformar o liberalismo de Paulo Guedes numa nova modalidade de frustração. Quando alguém é convidado a participar de um projeto supostamente relevante e o abandona, costuma-se dizer que o desertor cuspiu no prato que comeu.

Guedes já perdeu algo como duas dezenas de auxiliares. A maioria deixou suas posições cuspindo no prato em que Bolsonaro não permitiu que ninguém comesse. Não venderam estatais, não reformaram o Estado, não aperfeiçoaram o sistema tributário. Não fizeram isso nem aquilo.

Uma pessoa realizadora não prediz o futuro, ajuda a criá-lo. Roberto Campos, por exemplo, teria motivos para dar pulos de satisfação sob a lápide se pudesse ver o que foi feito do neto homônimo. Roberto Campos Neto preside o Banco Central, uma instituição que o avô ajudou a criar em 1964, quando era ministro do Planejamento do governo do marechal Castelo Branco.

Ex-embaixador, ex-ministro, ex-senador e ex-deputado, o velho Roberto Campos não poderia supor que um neto que o rodeava de calças curtas presidiria sua criação meio século mais tarde. Tampouco lhe foi dado supor que a coincidência se materializaria num governo presidido por Jair Bolsonaro, um deputado obscuro com quem esbarrou no Congresso sem cogitar um estreitamento de relações.

Eleito em 1982 pelo Mato Grosso, seu Estado, Roberto Campos frequentou o Senado por oito anos. Em 1990, candidatou-se a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Elegeu-se no mesmo pleito em que o eleitorado fluminense concedeu ao paulista Bolsonaro seu primeiro mandato federal.

Ironia suprema: Campos, o avô, estreou na Câmara junto com Bolsonaro, o insuspeitado futuro presidente da República. Hoje, seu neto tem acesso direto às orelhas de Bolsonaro.

Até outro dia, Campos Neto gastava baldes de saliva tentando mostrar a Bolsonaro que há bilhões de dólares dispostos a desembarcar no Brasil. Basta que exista responsabilidade ambiental, compromisso fiscal e sensatez. Desistiu. Deve ter notado que, na surubocracia anarco-intervencionista o presidente governa com a crise, para a crise e pela crise.