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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Supremo entoa versão piorada do Samba do Crioulo Doido no caso das igrejas

                                ABR
Imagem: ABR

Colunista do UOL

05/04/2021 16h01

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As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a realização de cultos, missas e outras atividades religiosas presenciais parecem inspiradas em Sérgio Porto (1923-1968), criador do Samba do Crioulo Doido. A diferença é que a loucura do crioulo de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo atrás do qual se escondia o gênio de Sérgio Porto, era mais assertiva e menos letal.

Hoje, ninguém sabe no Brasil se as igrejas podem ou não abrir suas portas para os fieis e o vírus. O plenário do Supremo decidiu em abril do ano passado que caberia aos governadores e prefeitos decidir o que abre e o que fecha. Muitos proibiram as celebrações religiosas presenciais.

No sábado, entretanto, Kassio Nunes Marques, ministro de estimação de Jair Bolsonaro, surpreendeu o país. Mandou reabrir as igrejas. Agiu no âmbito de ação movida pela Associação Nacional dos Juristas Evangélicos, uma entidade que não tinha competência para acionar o Supremo. Graças ao despacho de Kassio, promoveram-se na Páscoa sacrossantas aglomerações.

Nesta segunda-feira, outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes trafegou na contramão do colega ao negar liminar pedida pelo PSD. O partido requisitara a suspensão de decreto editado pelo governo de São Paulo para suspender momentaneamente cultos e missas. Gilmar manteve igrejas e templos fechados.

Num esforço para colocar ordem no manicômio judiciário, Gilmar pediu que sua decisão seja submetida com "a maior urgência possível" ao plenário da Corte. Luiz Fux, presidente do Supremo, incluiu a encrenca na pauta da sessão desta quarta-feira.

Espera-se que nesta sessão os ministros decidam novamente o que já estava entendido desde abril do ano passado. Ou seja: cabe a governadores e prefeitos, à luz da ciência e dos humores do coronavírus, decidir sobre as medidas restritivas a serem adotadas na pandemia.

Parecia haver no Supremo uma jurisprudência. Luiz Fux já havia derrubado liminares do Tribunal de Justiça de Pernambuco que suspendiam decreto estadual restringindo atividades religiosas. A ministra Rosa Weber também negara pedido de uma igreja contra decreto que proibira cultos e missas no Mato Grosso.

De repente, como a loucura tem razões que a sensatez desconhece, Kassio decidiu presentear Bolsonaro com a reabertura das igrejas. O presidente apressou-se em fazer média com seu eleitorado evangélico, trombeteando a novidade nas suas redes sociais.

O Supremo precisa explicar por que ações sobre tema idêntico —a reabertura de igrejas— foram parar nas mesas de ministros diferentes: Gilmar e Kassio. Os processos são distribuídos por sorteio. Mas o regimento determina que, havendo caso análogo já em tramitação, as ações devem ser concentradas num mesmo relator. Justamente para evitar o efeito maluquice.

Até que Supremo decida que supremo está valendo —o plenário, Kassio ou Gilmar—, o Brasil será uma espécie de monarquia manicomial. Nela, reina a esquizofrenia.

Avalizados pelo plenário da Suprema Corte e pela liminar de Gilmar, governadores e prefeitos podem reprimir cultos e missas presenciais. As igrejas que quiserem abrir poderão esfregar na cara de guardas e fiscais a liminar de Kassio.

O Supremo entoa uma versão piorada do samba do crioulo doido. O maluco de Sérgio Porto cantarolava o seguinte: "Joaquim José / Que também é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II". Não dizia coisa com coisa. Mas pelo menos era taxativo.

A maluquice do Supremo, além de manter o país pendurado numa dúvida —abrir ou não abrir?—, mata. O vírus, como se sabe, não distingue aglomerações festivas de reuniões religiosas. No auge da pandemia, as duas insanidades conduzem à mesma fila de UTI.