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Josias de Souza

REPORTAGEM

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Conitec não discutiu cloroquina nos dois encontros ocorridos sob Queiroga

Marcelo Queiroga na CPI da Covid - Pedro França/Agência Senado
Marcelo Queiroga na CPI da Covid Imagem: Pedro França/Agência Senado

Colunista do UOL

09/05/2021 04h24

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Ao depor na CPI da Covid, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) citou 27 vezes a Conitec para se esquivar de responder se concorda ou não com a defesa que Bolsonaro faz do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Disse ter solicitado ao órgão uma posição técnica sobre o tema. Alegou que, como ministro, teria de aguardar. Queiroga assumiu a pasta da Saúde em 23 de março. Desde então, a Conitec reuniu-se duas vezes. A cloroquina não constou da pauta desses encontros.

Conitec é a sigla que identifica a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Ironicamente, o encontro mais recente do colegiado começou na última quarta-feira (5) e terminou na quinta (6), mesmo dia em que a CPI interrogou Queiroga. A reunião anterior da Conitec ocorrera nos dias 7 e 8 de abril. As pautas dos dois encontros estão disponíveis no site do Ministério da Saúde (veja aqui e aqui). Não há vestígio de cloroquina nos documentos.

Cabe à Conitec assessorar o ministro da Saúde na inclusão ou exclusão de "novas tecnologias" no SUS. Isso inclui a análise de medicamentos. Inclui também a elaboração ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas a serem seguidas no tratamento de doenças na rede pública de saúde. A Conitec foi criada pela lei 12.401, sancionada em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff. Essa lei contém artigos que colocam automaticamente na ilegalidade o uso da cloroquina no tratamento da Covid.

Por exemplo: O parágrafo segundo do artigo 19-Q da lei estabelece que a Conitec terá de levar em consideração na elaboração dos seus relatórios "as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo..." Já está cientificamente comprovado que a cloroquina é ineficaz contra a Covid.

O artigo 19-T da mesma lei veda "em todas as esferas de gestão do SUS o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)". O uso da cloroquina no tratamento da Covid não dispõe de aval da Anvisa.

Queiroga não ignora a lei. Ao contrário. No mês passado, num discurso em que celebrou o aniversário de dez anos da Conitec, o ministro declarou o seguinte: "Essa Comissão é fundamental, pois é guardiã do SUS. Somente através de avaliações próprias, baseadas no melhor da evidência científica, nós asseguraremos aos brasileiros políticas públicas capazes de mudar a história natural dos agravos à saúde."

Levando-se o ministro ao pé da letra, a ausência de amparo científico para a utilização da cloroquina no combate à Covid torna ilegal a aquisição, produção e distribuição de cloroquina pelo governo. Torna inviável também a aprovação do uso do medicamento pela Conitec. Cabe perguntar: por que ninguém acionou a Conitec antes? Ou ainda: por que Queiroga não levou a cloroquina à pauta da Conitec nas reuniões de abril e maio?

Queiroga é médico. Sua especialidade é a cardiologia. Antes de se sentar no banco da CPI, o doutor mandou apagar do site do Ministério da Saúde documento que indicava o uso da cloroquina no tratamento precoce da Covid. Deve-se a descoberta à revista Piauí. O texto apagado é de agosto de 2020. Foi produzido na gestão do general Eduardo Pazuello. Os dois antecessores de Pazuello —o ortopedista Henrique Mandetta e o oncologista Nelson Teich— deixaram o governo, entre outras razões, porque se recusaram a avalizar a obsessão de Bolsonaro pela cloroquina.

A Conitec é composta de 13 membros. Sete são secretários do próprio Ministério da Saúde. Os outros seis representam o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde dos estados), o Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), o CFM (Conselho Federal de Medicina), a Anvisa, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o CNS (Conselho Nacional de Saúde).