Topo

Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Democracia volta a exibir o seu código de barras

Colunista do UOL

10/05/2021 18h56

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Notícia divulgada pelo Estadão aponta a existência de uma anomalia dentro do Orçamento da União. Descobriu-se que o governo Bolsonaro distribuiu secretamente pelo menos R$ 3 bilhões em verbas públicas para 37 parlamentares governistas. Nada a ver com as tradicionais emendas orçamentárias que deputados e senadores têm o direito de pendurar no Orçamento para enviar verbas aos seus redutos eleitorais. Trata-se de dinheiro extra, liberado no escurinho, longe dos olhares dos órgãos de controle.

A coisa foi documentada. A reportagem traz ofícios dos parlamentares para o Ministério do Desenvolvimento Regional indicando a destinação da verba. Algo como R$ 300 milhões foram usados na compra de máquinas agrícolas como tratores e retroescavadeiras com sobrepreço. Nos ofícios, os parlamentares tratam a verba pública como se fosse dinheiro grátis. É a "minha cota", anotou um dos beneficiários. "Eu fui contemplado", escreveu outro felizardo. Esses são "recursos a mim destinados", lê-se em outro documento.

Entre os parlamentares contemplados estão o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre e o presidente da Câmara Arthur Lira. O caso pede investigação, pois lembra episódios antigos, como o escândalo dos anões do Orçamento e a Máfia dos sanguessugas, que superfaturava a compra de ambulâncias destinadas a prefeituras. O brasileiro que sonha com uma transformação dos costumes políticos fica com a impressão de que está novamente diante de uma velha praga nacional: a Síndrome do Quase.

A higienização da política quase foi alcançada quando as ruas forçaram o Congresso a escorraçar Collor do poder. A assepsia quase foi obtida quando foram cassados os mandatos de meia dúzia de anões do Orçamento. A purificação quase chegou quando o Supremo Tribunal Federal mandou para a cadeia a cúpula do PT e os empresários enrolados no mensalão.

A nova investida contra o Orçamento indica que o impeachment de Dilma e as prisões da Lava Jato, agora em fase de relaxamento, não eliminaram a maldição do quase. Infelizmente, a democracia brasileira não consegue se livrar do código de barras.