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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Ataque de Bolsonaro engrandece Daniela Lima

Daniela Lima e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Instagram) - Reprodução / Internet
Daniela Lima e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Instagram) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

02/06/2021 15h16

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Desde que chegou ao Planalto, Bolsonaro revela-se incapaz de conciliar duas necessidades conflitantes: ser Bolsonaro e exibir a compostura que se espera de um presidente da República. O ataque à repórter Daniela Lima, da CNN, apenas reforçou a convicção de que Bolsonaro e compostura são mesmo dois elementos inconciliáveis. O inquilino do Planalto chamou-a de "quadrúpede".

Deve-se a irritação de Bolsonaro a uma manipulação grotesca. Em 26 de maio, Daniela preparava-se para apresentar na TV notícia sobre o saldo positivo da evolução do emprego com carteira assinada em abril. Criaram-se 120.935 vagas. Algo a ser festejado. Mas com parcimônia, pois o número foi o menor do ano de 2021.

"Não saia daí porque agora, infelizmente, a gente vai falar de notícia boa, mas com valores não tão expressivos", disse a repórter. A milícia digital do bolsonarismo editou a fala da repórter, difundindo nas redes sociais apenas um pedaço de sua frase: "...Infelizmente, a gente vai falar de notícia boa."

Nesta terça-feira, do nada, uma devota de Bolsonaro evocou a manipulação no cercadinho do Alvorada. Entre risos, Bolsonaro ironizou: "Infelizmente, somos obrigados a dar uma boa notícia, mas não é tão boa assim não. É uma quadrúpede."

Não passa semana sem que Bolsonaro e seus filhos pendurem nas manchetes um cacho de declarações polêmicas. Já está entendido que Bolsonaro não será capaz de compreender que o presidente da República não é apenas uma faixa ou uma pose. Espera-se que, por trás da faixa e da pose, exista uma noção qualquer de respeito e dignidade. O capitão ignora tais valores.

A aversão de Bolsonaro à imprensa revela que o personagem, embora seja beneficiário direto da democracia, não assimilou os rudimentos da noção de cidadania. A imprensa tem muitos defeitos. Mas arrosta a antipatia de gente como Bolsonaro por conta de suas melhores virtudes.

Bolsonaro ainda não notou. Mas seus ataques já cansaram. As pesquisas indicam que a maioria dos brasileiros já não convive com a ideia de deixar impune alguém que chama os compatriotas de "maricas".

A essa altura, os ataques de Bolsonaro, quando dirigidos a repórteres com a qualificação de Daniela Lima, servem para enaltecer as vítimas da agressão —pessoas que cumprem a missão jornalística de adequar as aparências à realidade e não adaptar a realidade às aparências, como prefeririam os imperadores da política.

O papel da imprensa não é o de apoiar ou de se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo o que tenha interesse público. Só não entende isso quem não dispõe de discernimento intelectual para conviver com o livre curso de informações e ideias. Ironicamente, o apelido de Bolsonaro na intimidade familiar é "Cavalão". Sabe o que diz quando fala de "quadrúpedes". Não convém discutir com especialistas.