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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro e centrão atingem o estágio da contaminação de rebanho político

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/06/2021 03h16

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A suspeita de envolvimento de Ricardo Barros no Caso Covaxin faz do deputado um aliado infeccioso. Qualquer político de bom senso manteria em relação ao personagem um rigoroso distanciamento social. Bolsonaro sinaliza a intenção de permanecer grudado no deputado, mantendo-o na função de líder do governo na Câmara. Uma evidência de que o capitão, seus filhos e o centrão atingiram o estágio da contaminação de rebanho. Não há o menor risco de serem infectados pelo vírus da ética.

O deputado bolsonarista Luis Miranda disse à CPI da Covid que o nome de Ricardo Barros saltou dos lábios de Bolsonaro quando ele ouviu o relato sobre a conversão da compra da Covaxin em algo parecido com uma negociata. A sobrevida de Barros na liderança do governo ajuda a entender por que Bolsonaro não chamou a Polícia Federal, como prometera ao ex-amigo Luis Miranda.

O interesse de Ricardo Barros pela saúde dos brasileiros é antigo. O deputado ganhou de Michel Temer a poltrona de Ministro da Saúde como parte do pagamento do apoio do seu partido, o PP, ao impeachment de Dilma Rousseff. Mais do que lembranças, Barros carrega dessa época um processo por improbidade administrativa resultante da compra de remédios que nunca foram entregues. Coisa de R$ 20 milhões.

Por uma dessas trapaças do destino, a fraude dos remédios envolve um empresário que frequenta também a encrenca da Covaxin: Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos e da Global Saúde. Por uma cilada da sorte, o mesmo Maximiano contou com os bons préstimos do primogênito Flávio Bolsonaro para abrir a maçaneta do gabinete do presidente do BNDES, Gustavo Montezano, amigo de infância dos zeros à esquerda da dinastia Bolsonaro.

O encontro do BNDES não teve nada a ver com vacinas, apressou-se em esclarecer o Zero Um. Tratou-se de financiamento para projetos de internet que levariam banda larga para o Norte e o Nordeste. Coisa de grande interesse social. São esses interesses republicanos em comum que levam os Bolsonaro e o centrão ao contágio natural que produz a contaminação de rebanho. Estreitam-se as relações por necessidade.

Pendurados de ponta-cabeça nas manchetes, os Bolsonaro se dão conta de que o distanciamento social com a banda suspeita do Congresso não faz sentido. O presidente e seus filhos com mandato —Flávio, Eduardo e Carlos— viraram protagonistas de um noticiário em que as suspeitas de rachadinha nos gabinetes da família se misturam a transações eleitorais e imobiliárias fechadas em dinheiro vivo. Daí a busca da blindagem pelo contágio coletivo.

Ricardo Barros é correligionário de Arthur Lira, o réu que virou presidente da Câmara com o apoio de Bolsonaro. O próprio Bolsonaro é egresso do partido de Barros e Lira, o PP. A política brasileira volta a viver o seu roteiro invariável: os presidentes da República entram botando banca. E vão deslizando docemente para a grande vala comum do centrão.

Sob Bolsonaro, o deslizamento começou no ano passado. Antes da pandemia, o namoro do presidente com o centrão já havia evoluído para o matrimônio. Aos pouquinhos, vai ganhando ares de patrimônio. A pretexto de obter a chamada "governabilidade", Bolsonaro azeitou o toma lá, dá cá. O centrão quer verbas e cargos. Bolsonaro deseja livrar-se do impeachment e blindar a família. Como não há interesse público na transação, a governabilidade vira um outro nome para transgressão.

A trilha que levou Bolsonaro ao colo do centrão começou a ser aberta no ano passado. Incluiu a ascensão de Ricardo Barros à liderança do governo. Bolsonaro deu de ombros para o fato de que o deputado já era alvo de investigação do Ministério Público do Paraná. Apura-se o recebimento de R$ 5 milhões em propinas entre 2013 e 2014, quando Barros era secretário de Indústria e Comércio do Paraná.

Ninguém em Brasília fez a concessão de um ponto de exclamação, pois o convívio de Bolsonaro com a suspeição já tinha virado parte da paisagem. Antes de se acertar com Ricardo Barros, Bolsonaro nomeara para o posto de líder do governo no Senado Fernando Bezerra, do MDB. Em pleno exercício da liderança, Bezerra recebeu a visita da Polícia Federal. Freguês da Lava Jato, o senador é acusado de desviar R$ 5,4 milhões em verbas públicas.

Na prática, Bolsonaro abriu espaço no governo para quem nunca saiu dele. Ricardo Barros, ex-companheiro de partido de Bolsonaro no PP, foi líder dos governos FHC, Lula e Dilma. Serviu como ministro de Temer. Fernando Bezerra, ex-filiado do PSB, é um velho apoiador de Lula. Foi ministro de Dilma Rousseff. Hoje, lidera o pelotão governista da Covid.

Sob os efeitos da contaminação de rebanho, Bolsonaro supõe que tem uma base de apoio congressual. Engano. O Centrão é que tem um presidente —mais um. Dependendo da evolução da conjuntura, pode se cansar dele. Dilma sabe como esse tipo de enfado termina.