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Tortura tritura o corpo, deboche estilhaça a alma
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Oficialmente, a ditadura terminou em 1985. Mas a tortura sobreviveu a 37 anos de democracia. O general Mourão disse que tudo já passou, faz parte da história. Engano. A tortura de brasileiros desarmados submetidos à custódia do Estado durante a ditadura é uma história que tem início e meio. Mas não tem fim. Se a tortura é condenada, vira história. Quando Mourão e Bolsonaro chamam de "herói", a tortura se torna parte do presente. Pior: ela se eterniza no futuro.
Mourão não gostou das verdades expostas no vozerio recuperado pelo historiador Carlos Fico nas 10 mil horas de gravação das sessões em que o Superior Tribunal Militar revolveu o lixo dos porões militares. É natural que o general desgoste dos relatos que confirmam suplícios impostos a presos desarmados, submetidos à custódia do Estado. Mourão prefere o lixo reciclado que o coronel Ustra expôs no livro "A Verdade Sufocada."
Entre risos, o vice-presidente da República tratou como piada a hipótese de investigação. "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo. Vai trazer os caras do túmulo de volta?" A anistia assegurou a impunidade de práticas como o sequestro, a tortura e o sumiço de gente. Mas não apagou os crimes.
Assisti no cinema, em 2007, ao filme "Tropa de Elite". Havia nele uma cena em que o capitão Nascimento, da PM do Rio, buscava o paradeiro de um traficante chamado "Baiano". Para obter a informação, espancava um jovem e mandava que o torturassem, asfixiando-o com um saco plástico. A plateia aplaudiu a cena. Fiquei espantado.
Os aplausos ao capitão Nascimento se repetiriam em salas de cinema ao redor do país. Onze anos depois, Bolsonaro e Mourão prevaleceriam numa campanha presidencial em que aplaudiram o torturador Ustra. A tortura não virou história, como supõe Mourão. Ela se tornou método de investigação policial no Brasil. Com seu talento para o chiste, Mourão cria uma nova modalidade de suplício. A tortura convencional tritura o corpo. A tortura do deboche estilhaça a alma.
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