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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pragmático no Brasil, Lula cobra idealismo do G7

Colunista do UOL

22/05/2023 10h01

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Convidado de honra do encontro do G7, na cidade japonesa de Hiroshima, Lula pronunciou discursos ácidos. Iluminou a hipocrisia. Contra um pano de fundo manchado pelo sangue da guerra na Ucrânia, questionou a legitimidade do grupo dos países ricos para impor soluções ao mundo. Disse aos líderes dos Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Japão, Reino Unido e Canadá que seus "paradigmas ruíram". Cobrou "uma nova mentalidade", diferente daquela que emergiu no pós-guerra, em 1945. O conflito na Ucrânia, disse Lula, deve ser discutido não no G7, mas na ONU —de preferência com o Conselho de Segurança repaginado.

Com as verdades lancinantes que pronunciou no Japão Lula distanciou-se dos Estados e da Europa, que armam a Ucrânia. Encostou sua retórica num ideal tão desejado quanto utópico. Mal comparando, a refundação da ONU e a paz mundial são como a cura do câncer e o amor verdadeiro. Quem não quer? É como se Lula ambicionasse para o mundo um cenário idílico que não consegue proporcionar ao país que preside. O idealismo de uma pessoa cresce na proporção direta da sua distância do problema. O Brasil seria um país magnífico se, de repente, baixasse no Planalto o mesmo surto idealista que marcou a passagem de Lula pelo Japão.

"Eu não vim ao G7 discutir a guerra da Ucrânia', disse o presidente brasileiro na entrevista saideira. Nela, as explicações sobre o encontro que Lula não teve com o ucraniano Zelenski despertou mais interesse do que os debates que ele não travou com os líderes mundiais sobre meio ambiente, tema no qual o protagonismo do Brasil é amazônico. Em 2024, o Brasil assumirá a presidência do G20, que inclui o G7. Todos virão ao Rio de Janeiro. A turma do núcleo rico do planeta pode ter dificuldades para conter o riso interior ao constatar in loco que o Lula de Hiroshima não orna com o de Brasília.

Na versão para exportação, Lula é um extraordinário analista das debilidades alheias. No modelo doméstico, é incapaz de fazer um tipo mais precioso de análise: a autoanálise. As críticas de Lula não mudarão o comportamento dos mandachuvas do G7. Alguma autocrítica ajudaria a enxergar que os paradigmas do Lula de 2003 também ruíram. O Brasil de 2023 pede nova mentalidade. Para consumo externo, menos egocentrismo e mais interesse nacional. Para o mercado interno, menos passadismo e uma frente bem mais ampla do que o PT e o centrão.