Aposta de Bolsonaro e seus fieis em Milei é arma de dois gumes
O Brasil será representado na posse de Javier Milei pelo chanceler Mauro Vieira. A ausência de Lula converterá a festa da posse do novo presidente da Argentina, no domingo, num evento portenho-bolsonarista. Derrotado e inelegível, Bolsonaro surfa a onda da ultradireita dos vizinhos.
A cavarana que acompanhará Bolsonaro na incursão por Buenos Aires já soma mais de 50 políticos. Inclui os filhos Flávio e Eduardo, o governador paulista Tarcísio de Freitas, os ex-ministros Ciro Nogueira e Ricardo Salles. Integram também o séquito uma penca de senadores, deputados federais e deputados estaduais de São Paulo.
Bolsonaro e a oligarquia do bolsonarismo manuseiam uma arma de dois gumes. A conjuntura da Argentina é marcada por uma ruína construída ao longo de mais de sete décadas. A ideologia vem se revelando o caminho mais longo entre os projetos de mudança e sua realização.
O esquerdista Alberto Fernándes, torpedeado por Bolsonaro, e o antecessor direitista Mauricio Macri, idolatrado pelo capitão, assumiram a presidência da Argentina movidos pelo pior tipo de ilusão. A ilusão de que presidiam. Terminaram presididos pela crise. Ambos foram escorraçados do poder pelo eleitorado argentino, bem menos passivo que o brasileiro.
As crises econômica e social transformam a Casa Rosada numa morada de extremos. É o céu e o inferno. O concreto e o abstrato. A força e a impotência. A presidência da Argentina é como um jarro transparente. Muda de cor conforme o conteúdo despejado dentro dele.
O jarro de Milei é uma incógnita. O novo presidente assumirá com uma coloração de novidade. Mas a impaciência que produziu a sua vitória é um sentimento que tem pressa por resultados. Nesse contexto, uma gestão inépta produzirá um novo fracassso furta-cor.
Bolsonaro viveu situação análoga do Brasil. Em 2018, vendera-se ao eleitorado como um político antissistema, anticorrupção e pró-liberalismo econômico. Na sucessão de 2022, amargou uma derrota acorrentado ao sistêmico centrão, chefiando uma organização familiar com a imagem bem rachadinha e trocando a agenda liberal pelo populismo eleitoral. Deu no que está dando.
No caso do que espera a Argentina e seus admiradores brasileiros todas as apostas flertam com o risco, já que ninguém sabe ao certo o que será despejado dentro do jarro nos próximos meses. O surfe do bolsonarismo só será proveitoso se a autoimagem de salvador da pátria cultivada por Milei na campanha coincidir com a fantasia do público que a comprou. Hoje, esse cenário é apenas mais um flerte com a ficção.
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