Josias de Souza

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'Pode ter atividades ilícitas lá dentro' da Abin, diz Ramagem

Protagonista da investigação da Polícia Federal sobre a montagem de uma estrutura de espionagem ilegal durante o governo Bolsonaro, o deputado Alexandre Ramagem ajustou seu posicionamento sobre o escândalo. Passou a admitir a existência de "atividades ilícitas" na Agência Brasileira de Inteligência, comandada por ele no governo passado. Entretanto, terceirizou responsabilidades.

Ramagem culpou Paulo Mauricio Fortunato. Durante sua gestão, Fortunato foi diretor de Operações da Abin. Em entrevista ao site Metrópoles, o deputado declarou: "Foi na casa desse servidor que foram encontrados 170 mil dólares, quase R$ 1 milhão. Então, eu que fiz toda apuração, e que gerou a exoneração dele, e que se demonstra que pode ter atividades ilícitas lá dentro."

Ecoando o coro da perseguição, entoado por Bolsonaro, Ramagem indagou: "Por que eu agora estou sendo investigado? Esse é o absurdo da perseguição. Esse é o absurdo que se vê da pesca probatória. Por quê?"

Sob Lula, Fortunato foi promovido pelo atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, ao terceiro posto mais relevante na hierarquia da agência. Deve-se sua exoneração não à hipotética apuração mencionada por Ramagem, mas a uma ordem expedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

A determinação de Moraes foi emitida em outubro do ano passado, no contexto de um mandado de busca e apreensão executado pela PF. Incluído no rol de alvos da operação, Fortunato guardava em casa US$ 171 mil em dinheiro vivo. A cifra, equivalente a pouco mais de R$ 800 mil, foi apreendida. O investigado declarou que se tratava de "poupança" da família.

Ramagem alega ter inaugurado apurações internas que teriam detectado ilegalidades na conduta de Fortunato. Absteve-se de apresentar evidências capazes de corroborar sua versão. Relatórios encaminhados pela PF ao Supremo relatam um enredo diferente. Apura-se a suspeita de que Ramagem manobrou para livrar da demissão dois agentes da Abin: Rodrigo Colli e Eduardo Izycki.

Ambos também tiveram os endereços varejados pelas batidas policiais ordenadas por Moraes em outubro de 2023. Foram presos sob a suspeita de operar o FirstMile, equipamento de fabricação israelense usado sob Bolsonaro para monitorar desafetos do então presidente.

Rodrigo Colli e Eduardo Izycki atuavam no Centro de Inteligência Nacional da Abin. No ano de 2020, época em que Ramagem chefiava a agência, a dupla amargou processo disciplinar interno. Apurava-se a participação dos dois na intermediação da venda do equipamento israelense para o Exército. Foram denunciados por empresas preteridas numa licitação realizada em 2018.

Diante da perspectiva de demissão por "conflito de interesse" entre a atividade como servidores e a intermediação de negócios privados, Colli e Izycki passaram a chantagear a cúpula da Abin bolsonarista. Segundo a PF, ameaçaram divulgar informações sobre o uso ilegal do equipamento de geolocalização israelense. Nessa versão, Ramagem teria operado para evitar a exoneração da dupla.

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Na entrevista ao Metrópoles, Ramagem disse meia dúzia de palavras sobre o uso do FirstMile à margem da lei. "Eu acredito que a utilização, em sua grande maioria, quase totalidade, pode ter sido para trabalho de inteligência. Correto. Tem oficiais de inteligência de bom trabalho", disse ele, antes de admitir: "Acredito que uma minoria possa ter desvirtuado. A Agência Brasileira de Inteligência tem as atribuições de combater espionagem industrial, proteção do conhecimento sensível, proteção de estruturas estratégicas, como Itaipu."

Na segunda fase do inquérito que apura a montagem de uma Abin paralela para monitorar adversários e proteger os filhos de Bolsonaro, o próprio Ramagem foi alvo, no mês passado, de uma busca e apreensão da PF nos seus endereços, inclusive no gabinete de deputado. Estima-se que prestará depoimento formal aos investigadores no final de fevereiro. Reiterou na entrevista que não forneceu informações confidenciais a Bolsonaro ou a seus familiares.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado, Fortunato guardava em casa US$ 171 mil em dinheiro vivo, e não US$ 171 milhões. O texto foi corrigido.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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