Resistência silenciosa ao golpe não é um atestado de inocência
No inquérito sobre a tentativa de golpe, a Polícia Federal identificou nas Forças Armadas dois tipos de oficiais. Há os golpistas escancarados e os legalistas envergonhados. O primeiro grupo ajudou Bolsonaro a infectar a democracia. O segundo se opôs ao golpe sem denunciar ao país que havia pus no fim do túnel. Restou a impressão de que não há inocentes no enredo do golpe, apenas golpistas e cúmplices por omissão.
Chamado de "cagão" pelo colega de armas Braga Netto, o general Freire Gomes, então chefe do Exército, alega em privado que preferiu agir contra o golpe em silêncio para não jogar lenha na ruptura que Bolsonaro tentava acender. Se for repetida no depoimento que a Polícia Federal cogita realizar, a alegação do general valerá apenas até certo ponto. Um ponto de interrogação.
Ao deflagrar a Operação Hora da Verdade, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes autorizou batidas da PF nas residências de cinco generais e um almirante. Todos são golpistas escancarados. Três comandaram escrivaninhas ministeriais. Três chefiaram tropas. O general Freire Gomes não recebeu a visita dos rapazes da PF. Mas sua resistência, por envergonhada, não o livrou da suspeita de omissão.
O próprio Freire Gomes empurrou a interrogação para dentro de sua biografia ao assinar, junto com os outros comandantes militares, após a vitória de Lula, uma nota com insinuações dirigidas ao Judiciário. Lido em voz alta em acampamentos que pediam intervenção militar na porta dos quarteis, esse texto engrossou o caldo que entornou na intentona de 8 de janeiro.
Tentativa de golpe de Estado é crime. Atentado contra o estado democrático de direito também é tipificado como delinquência grave. A Constituição não confere aos militares, mesmo aos mais virtuosos, o direito ao exercício de uma autolegalidade. No caso de Freire Gomes, a resistência calada pode ser uma atenuante. Mas não se confunde com atestado de inocência.
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