Josias de Souza

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Bolsonaro acionou Abin quando a rachadinha engolfou Michelle

Registrada em áudio pelo então chefe da Abin, Alexandre Ramagem, a reunião de Bolsonaro com a cúpula da inteligência do governo, em 25 de agosto de 2020, não visava blindar apenas Flávio Bolsonaro. O plano para embaraçar a investigação sobre a rachadinha foi discutido num instante em que o escândalo engolfava Michelle Bolsonaro, constrangendo o marido.

Nos dias que antecederam a reunião, agora esmiuçada pela Polícia Federal, Michelle frequentava as manchetes de ponta-cabeça. Descobrira-se que o ex-PM Fabrício Queiroz, faz-tudo da família Bolsonaro e operador da rachadinha de Flávio, depositara na conta bancária da então primeira-dama não R$ 40 mil, como se suspeitava, mas R$ 89 mil.

Em 23 de agosto de 2020, dois dias antes do encontro tóxico do Planalto, Bolsonaro foi questionado sobre os aportes feitos em favor de Michelle. Ficou fora de si, revelando o que tinha por dentro. "Minha vontade é encher tua boca com uma porrada", disse ao repórter que ousou questioná-lo.

O caso da rachadinha foi enterrado posteriormente, por questões processuais, nos tribunais de Brasília. Primeiro no Superior Tribunal de Justiça. Depois, no Supremo Tribunal Federal. E os depósitos que pingaram na conta de Michelle permanecem até hoje como um mistério de polichinelo à espera de explicação.

O Brasil estava às voltas com a pandemia da Covid. Bolsonaro transformara o cercadinho do Alvorada em palco de entrevistas-espetáculo permeadas de agressões aos repórteres. Assombrava o país com a defesa da hidroxicloroquina como elixir mágico para a cura da Covid. Em 24 de agosto de 2020, véspera do encontro da cúpula da inteligência sobre a rachadinha, o capitão recebera no Planalto um grupo de médicos adeptos da poção anticientífica.

O encontro foi trombeteado no site do Planalto. Ao discursar, Bolsonaro declarou: Se a hidroxicloroquina "não tivesse sido politizada, muito mais vidas poderiam ter sido salvas dessas 115 mil, que o Brasil chegou nesse momento". A inepcia negacionista, contribuiu para elevar o número de cadáveres a mais de 700 mil.

No fatídico agosto de 2020, os cadáveres proliferavam contra um pano de fundo tisnado pela rachadinha. No início daquele mês, reportagem da Folha revelara que os desvios operados por Fabrício Queiroz foram potencializados por repasses provenientes do gabinete do próprio Bolsonaro quando era deputado federal.

Pendurada na folha salarial da assessoria parlamentar de Bolsonaro como funcionaria fantasma, a personal trainer Nathália Queiroz, filha do faz-tudo do capitão, repassava a maior parte do seu salário para o pai, lotado no gabinete do Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O sigilo bancário de Nathália foi quebrado mediante autorização judicial. Entre janeiro de 2017 e setembro de 2018, ela transferiu R$ 159,5 mil recebidos no gabinete de Bolsonaro para a conta de Queiroz. A cifra corresponde a 77% de tudo o que a personal trainer recebeu da Câmara federal.

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Foi nesse contexto que o alto-comando do aparato de inteligência do governo se reuniu no Planalto. De acordo com a PF, participaram do encontro, além de Bolsonaro e Ramagem, o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e uma advogada que cuidava da defesa de Flávio. As circunstâncias sinalizam que Bolsonaro buscava, na prática, uma autoblindagem.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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