Josias de Souza

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Opinião

Lula não consegue dizer que o companheiro Maduro é ditador

Lula rodopia ao redor crise venezuelana como um parafuso espanado. Nesta quinta-feira, indagado se reconhece a reeleição de Maduro, disse: "Ainda não". Nas suas palavras, Maduro "sabe está devendo uma explicação para o mundo". Tampouco admite a vitória da oposição: "Não tenho os dados".

Em entrevista à Rádio T, do Paraná, Lula não ousou repetir a tese tresloucada segundo a qual nada de "anormal" ou "assustador" acontece na Venezuela. Entretanto, sustentou que, "durante a eleição, não houve qualquer suspeita". Apenas "na hora de divulgar os dados é que houve confusão."

Continua ignorando que Maduro, antes de fraudar a vitória de Edmundo González, o candidato oposicionista admitido pelo regime, inabilitou María Corina Machado, sua rival mais bem-posta, conspirou contra a presença de observadores internacionais e se autoproclamou reeleito à revelia das evidências em contrário.

Quer dizer: Lula rodou, circulou, girou... e se manteve no mesmo lugar. Em essência, continua cobrando a divulgação dos boletins das mais de 30 mil seções eleitorais às quais compareceram os eleitores venezuelanos na eleição de 28 de julho.

É como se Lula sofresse de esotropia. Ou estrabismo convergente. Isso acontece quando o eixo visual de um olho se desloca em direção ao do outro, provocando uma disfunção chamada diplopia, que é a visão dupla de um mesmo objeto.

Lula enxerga duas Venezuelas, ambas fictícias. Numa, Maduro poderia compor um "governo de coalizão". Noutra, Maduro seria acometido por um surto e "bom senso" e convocaria "novas eleições", submetendo-se à fiscalização de "olheiros internacionais". O sonho do novo pleito foi avalizado pelos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e dos Estados Unidos, Joe Biden.

Na nova entrevista, Lula disse coisas assim: "O que nós queremos é que o conselho que cuidou das eleições diga quem ganhou a eleição." Ou assim: "Tem que apresentar os dados, mas por um órgão confiável. Ele não mandou os dados para o Conselho [Nacional Eleitoral], ele mandou para a Justiça". Ora, ora, ora...

Controlado por Maduro, o Conselho Eleitoral da Venezuela avalizou a reeleição mutretada do ditador horas depois do fechamento das urnas. Escondeu as atas eleitorais, retirando do ar o site onde deveriam ser divulgada a apuração dos votos.

Maduro enviou suas atas hipotéticas para uma Suprema Corte submetida às suas vontades e conveniências para fabricar um ambiente de conspiração fascista que lhe permita enviar os opositores para a cadeia. Disse que Edmundo González e sua madrinha política María Corina merecem ser encarcerados por 30 anos.

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Simultaneamente, o ditador acionou sua engrenagem repressiva. Numa conta provisória, o terror venezuelano já produziu pelo menos 25 cadáveres, 192 feridos e 2.400 prisioneiros políticos.

Sob o impacto de uma ideologia estrábica, Lula tem dificuldades para enxergar a realidade. Não consegue declarar, sem rodopios, que o companheiro Maduro consolidou-se como um ditador.

A constatação do óbvio não resolveria a crise. Mas evitaria que o desvario antidemocrático de Maduro se convertesse num processo de erosão da popularidade de Lula, um fenômeno que começa a ser detectado nas pesquisas feitas por encomenda do Planalto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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