Josias de Souza

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Opinião

Hipótese de nova eleição na Venezuela é crença de cego

No relacionamento com a Venezuela, o governo converteu o Brasil num país de cegos. Nele, quem tem um olho reluta em constatar que o ditador Nicolás Maduro está nu. A ideia de contornar a crise venezuelana por meio da realização de uma nova eleição, mencionada por Lula em reunião ministerial realizada na semana passada, corresponde a uma espécie de negacionismo diplomático.

A fórmula da nova eleição, exposta em reportagem do Valor Econômico, foi confirmada pelo assessor internacional de Lula, Celso Amorim. Nas palavras de Amorim, trata-se de uma "sugestão ainda embrionária". Seria uma espécie de "segundo turno" da contestada eleição venezuelana de 28 de julho, na qual Maduro se autoproclamou reeleito.

A proposta, por excêntrica, ainda não foi completamente digerida por Lula. O Brasil não se animou a expor a bizarrice nem mesmo à Colômbia e ao México, parceiros na articulação que busca uma saída negociada para a crise inaugurada pela fraude de Maduro. Conviria ao Planalto sepultar a excentricidade, pois embora certas autoridades demorem a enxergar o óbvio, a realidade ainda é o único lugar onde o Planalto e o Itamaraty podem obter um posicionamento que aproxime o Brasil da lógica e, sobretudo, da decência.

No momento, a lógica impõe superar a fase da exigência de divulgação das atas das seções eleitorais venezuelanas. Não se pode continuar tratando com punhos de renda um ditador que reprime opositores com um punho de ferro que já produziu pelo menos 25 cadáveres, 192 feridos e 2.400 prisioneiros políticos. A decência recomenda ao Brasil, ainda às voltas com o julgamento dos golpistas de 8 de janeiro, a admissão de que uma ditadura explícita na vizinhança é inconcebível.

Na feliz definição de Millôr Fernandes, a utopia é a crença do cego no arco-íris. A essa altura não resta ao Brasil senão reconhecer que o óbvio é óbvio. Ainda que se admita que não convém ao governo romper relações com a Venezuela, não é razoável vislumbrar luz no final de um túnel em que não há senão o pus da repressão antidemocrática.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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