'Coisa descarada': Moraes e staff pularam a cerca deliberadamente
As primeiras revelações extraídas dos 6 gigabytes de mensagens e áudios obtidos pela Folha são eloquentes. Consolidam a percepção de que Alexandre de Moraes ultrapassaou o alambrado que separa o institucional do anormal. Usou o aparato do TSE como usina de relatórios para fundamentar decisões que tomou no STF como relator-geral das encrencas bolsonaristas.
As anormalidades foram produzidas de duas formas. Numa primeira fase, imaginando-se invulnerável, Moraes passou por cima da cerca. "Use sua criatividade", disse Airton Vieira, juiz auxiliar do seu gabinete no Supremo, ao repassar encomendas do chefe para o TSE. "Vou dar um jeito", respondeu Eduardo Tagliaferro, chefe da repartição que guerreava na Corte eleitoral contra a desinformação.
"Veja se o ministro vai gostar", anotou Tagliaferro ao contrabandear do TSE para o Supremo dados encomendados por Moraes. "Gostou e está disparando ordens", celebrou Veira, o juiz de estimação do gabinete do minisitro. O vaivém de mensagens faz de Moraes magistrado três em um. Ele mesmo escolhe alvos, ele mesmo conduz a investigação, ele mesmo julga.
Num segundo momento, como que acometidos da síndrome do que estava por vir, Moraes e seu staff decidiram passar por baixo da cerca. O tráfico de relatórios ganhou aparência formal. Vieira, o juiz auxiliar do Supremo, justificou a mudança para Tagliaferro, do TSE: "Ninguém vai poder questionar nada, falar de onde surgiu isso?, caiu do céu?, a pedido de quem?, etc...".
A certa altura, o juiz Vieira foi didático: "Como um juiz instrutor do Supremo manda pra alguém lotado no TSE, esse alguém sem mais nem menos obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato." Queria evitar "dor de cabeça" para Moraes. Soou premonitório: "Se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada."
Passando por cima ou por baixo da cerca, a parceria de Moraes com seus operadores produziu um constrangimento muito parecido com o que Gilmar Mendes descreveu ao resumir a promiscuidade das relações de Sergio Moro com Deltan Dallagnol na Lava Jato: "Roubaram galinha juntos". Fizeram isso deliberadamente.
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