Josias de Souza

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Opinião

Diálogo vadio expõe propósito de Bolsonaro: matar provas

O poeta Fernando Pessoa ensinou que o único sentido oculto das coisas é que elas não têm nenhum sentido oculto. O objetivo da reunião de Bolsonaro com os mandarins do aparato de inteligência do Planalto e duas advogadas do primogênito Flávio era claro, muito claro, resplandecente. Desejava-se matar as provas colecionadas pelos investigadores do caso da rachadinha.

O objetivo foi 100% alcançado. Cavalgando questões processuais, a defesa de Flávio asfixiou provas vivas nos tribunais superiores de Brasília. Resta agora esclarecer qual foi o tamanho da contribuição do aparato estatal na organização do sepultamento do escândalo. O áudio da reunião de 25 de agosto de 2020 registra uma conversa vadia.

Convém agora puxar o fio da meada, não pisar nele, como fez o antiprocurador-geral Augusto Aras. O novelo é velho conhecido do Supremo Tribunal Federal. Quatro meses depois de Bolsonaro ter levado a rachadinha para dentro do gabinete presidencial, Cármen Lúcia intimou Aras a abandonar a letargia.

Em seu despacho, a ministra enumerou os crimes que o episódio evocava há quatro anos: "Prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa." Exceto pelo crime de responsabilidade, prescrito com o fim do mandato presidencial, os demais continuam aplicáveis.

Sem elementos para enfrentar o mérito das acusações contra Flávio, as advogadas pediram socorro à Abin para sufocar as provas. Uma das doutoras admitiu que a defesa seria "bastante atacada" se a manobra viesse à tona. O próprio Bolsonaro citou funcionários que poderiam ser acionados. Entre eles o então chefe da Receita José Tostes.

Falava-se sobre o Serpro quando o capitão citou Gustavo Canuto, da Dataprev. O general Heleno mencionou a necessidade de manter as luzes apagadas. "Ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele. Se vazar..." E Bolsonaro: "A gente nunca sabe se alguém está gravando alguma coisa."

Antevendo problemas futuros, Bolsonaro injetou vacinas retóricas em sua prosa. "Não estamos procurando favorecimento de ninguém", disse a certa altura. Todos os envolvidos no episódio, pilhados com a voz na botija, tratam o áudio apreendido pela PF com uma naturalidade que não orna com a vulgaridade dos diálogos.

Flávio Bolsonaro diz que "a montanha mais uma vez pariu um rato". Em matéria de roedores, convém não discutir com especialistas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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