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Leonardo Sakamoto

A mentira foi o grande destaque do primeiro ano do governo Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro em evento militar no Rio de Janeiro  - Mauro Pimentel/AFP
O presidente Jair Bolsonaro em evento militar no Rio de Janeiro Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Colunista do UOL

31/12/2019 12h41

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O primeiro ano de Jair Bolsonaro demonstrou que tanto o presidente da República quanto parte de sua equipe usaram a mentira e a falácia como instrumentos cotidianos de governo. Todo mandatário mente. A questão é quando isso se torna parte estrutural de uma gestão, estando presente em discursos, entrevistas, reuniões, para refutar quaisquer fatos e dados comprovados que estejam na contramão dos desejos do presidente.

Quando pego no pulo, Bolsonaro adotou a tática Donald Trump, afirmando que nunca disse o que efetivamente disse e chamando a imprensa de "fake news". Como muitos de seus seguidores não se deram ao trabalho de checar em fontes confiáveis, a culpa passou a ser dos "jornalistas que querem derrubar o presidente".

Bolsonaro culpou indígenas, ONGs e até o ator Leonardo DiCaprio pelas queimadas na Amazônia. Disse que tinha a "convicção" de que os dados de desmatamento (que saltou este ano) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais eram mentirosos e acusou o cientista Ricardo Galvão de estar "a serviço de alguma ONG". Ignorando a realidade, cravou que não existe fome no Brasil.

Chamou o vazamento de óleo que atingiu as praias do Nordeste e do Sudeste de criminoso, chegando a dizer que poderia ser uma ação para prejudicar o leilão da cessão onerosa do Pré-sal - mas até hoje seu governo não descobriu o que de fato aconteceu. Bradou que a metodologia de cálculo de desemprego do IBGE, que segue padrões internacionais, é errada simplesmente porque ela não o ajudava. Disse que a Petrobras não aumentaria o preço da gasolina e do diesel, para depois vermos reajustes em série.

Disse que a tortura pela qual a jornalista Miriam Leitão sofreu era mentira, que o jornalista Glenn Greenwald se casou e adotou crianças para evitar ser deportado, que a jornalista Constança Rezende conspirava contra seu filho. Afirmou que trabalho escravo é um exagero e que fiscais libertam pessoas pela pouca espessura de colchões ou pela falta de copos decentes.

Após visitar o Memorial do Holocausto, em Israel, afirmou que o nazismo foi um movimento de esquerda - para espanto de judeus e alemães. Revelou saber o paradeiro do corpo de Fernando Santa Cruz, que morreu lutando contra a ditadura, apenas para espezinhar seu filho, Felipe, presidente da OAB. Aliás, repetiu exaustivamente que não houve ditadura no Brasil.

Afirmou que "estamos terminando 2019 sem qualquer denúncia de corrupção", escondendo o laranjal do seu ministro do Turismo e do partido que o levou à Presidência, isso sem contar das lambanças de seu chapa, Queiroz. Atestou que o viés ideológico deixou de existir em nossas relações comerciais, o que não condiz com a verdade - basta ver o comportamento de vassalagem diante dos Estados Unidos e o excesso de ideologia que colocou em risco exportações à Europa e a países islâmicos. Disse que seu ministério é técnico, apesar das ações de Abraham Weintraub terem apontado o contrário.

Enquanto isso, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse que as taxas de desmatamento eram manipuladas e infladas. Osmar Terra, do Ministério da Cidadania, disse não confiar em pesquisas da Fiocruz, instituição de renome internacional, ignorando os resultados porque não o apetecia. O chanceler Ernesto Araújo disse que as mudanças climáticas são uma farsa e afirmou que o aumento da média da temperatura global ocorreu porque estações de medição de temperatura que estavam no "mato" hoje estariam no "asfalto".

Tudo isso foi apenas um aperitivo. Teve muito, mas muito mais. Cotidianamente.

Tanto que, de acordo com o Datafolha, 43% dos entrevistados disseram que nunca confiam em afirmações do presidente, e 37% declararam confiar às vezes. O país se acostumou a um presidente que mente.

Bolsonaro acredita que foi eleito para empreender uma Cruzada, no significado medieval da palavra. Quer libertar o país tanto de um comunismo inexistente quanto de comportamentos e costumes progressistas - que, em sua opinião, são a origem do mal. Mas também tenta reescrever a História sob seu ponto de vista.

Isso não é só cortina de fumaça com objetivos políticos ou exagero para manter seguidores excitados e prontos para a batalha virtual. Ele realmente acredita nisso, por mais ridículo que pareça. Alimentado por paranoias e teorias da conspiração, muitas de suas ações seguem pelo caminho iluminado pela filosofia superficial do polemista Olavo de Carvalho.

Como já disse aqui, não age como presidente, mas como se comandasse o "Ministério da Verdade" - apresentado no romance "1984", de George Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer notícia que seja contrária ao próprio governo. Para tanto, sua máquina de guerra nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, fundamental para sua eleição, continua ligada e é usada para atacar violentamente a imprensa, cientistas, professores, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e qualquer um que o critique ao invés de dizer amém.

Bolsonaro tem demonstrado acreditar que sua palavra é o que dá significado ao mundo e as coisas são o que ele diz que são, características de governantes autoritários. Para ele, "verdade" é tudo aquilo que sai de sua boca. E "mentira" é tudo aquilo que o contradiz.

O presidente afirma gostar da passagem bíblica do "Conhecereis a verdade e ela vos libertará" (João 8:32), mas parece, de fato, se identificar com "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (João 14:6).

Em tempo: Foi um. Faltam três. Ou sete. Ou mais anos, se as instituições não forem firmes o bastante.